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Extensão que transforma: UFMA leva qualificação em saúde bucal a equipes que atuam em comunidades Yanomami
Lúcio Silva/AGEUFMA
RORAIMA – Com o compromisso de promover ações de extensão transformadoras alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal do Maranhão (PPGO-UFMA) protagonizou uma importante frente de qualificação de equipes de saúde bucal em territórios indígenas Yanomami. A iniciativa integra o Programa de Extensão da Pós-Graduação nas Universidades Públicas Federais (PROEXT-PG) e foi coordenada pela professora doutora Cecilia Ribeiro, a convite da Coordenação Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde e com a participação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).A ação, realizada inicialmente em Roraima, contou com a participação de discentes do PPGO-UFMA, e se desdobrou em um trabalho de qualificação voltado à realidade sociocultural e ambiental dos povos Yanomami.
“Essa proposta nasceu de um convite da Coordenação de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, em reconhecimento às pesquisas que nosso grupo vem desenvolvendo com enfoque na integralidade em saúde, atenção odontológica nos primeiros mil dias de vida e práticasbaseadas na mínima intervenção na odontologia”, destaca a professora Cecília Ribeiro.
Educação em saúde como instrumento de justiça social e ambiental
A qualificação ofertada presencialmente para as equipes de saúde bucal dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) Yanomami eDSEILeste de Roraima, foi estendida a convite da SESAI para outros distritos, ministrada remotamente para DSEIJuruá (Acre) e DSEIAlto Rio Negro (Amazonas). As ações seguiram uma abordagem fundamentada na Saúde Única (One Health), que reconhece a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental. A formação visou qualificar profissionais para atuarem de forma ética, sensível e alinhada às práticas e valores dos povos indígenas, respeitando seus modos de vida e cosmologias.
“O adoecimento por cárie nas crianças Yanomami, por exemplo, está diretamente associado à intensificação do contato com o meio externo — com a chegada de garimpeiros, madeireiros e comerciantes, aumentando o consumo de alimentos ultra processados, ricos em açúcares, o que agravou a incidência de doenças bucais e outras doenças crônicas não transmissíveis”, explica a docente.
A realidade enfrentada pelos Yanomami é marcada por múltiplos determinantes sociais e ambientais da saúde: desnutrição, insegurança alimentar, desmatamento, poluição de rios e solo, além de profundas desigualdades no acesso à saúde. O impacto do modelo de vida urbano-industrial — imposto pela exploração dos territórios — compromete o bem viver dos povos originários. Nesse cenário, a qualificação das equipes torna-se uma estratégia essencial de enfrentamento.
Saberes que se encontram: ciência e ancestralidade nos territórios
A atuação da UFMA tem contribuído para a produção de conhecimento aplicado e sensível ao contexto indígena. Discentes de pós-graduação participaram diretamente das ações, como a mestranda Luísa Queiroz, que acompanhou presencialmente a formação em Roraima, sendo responsável por pela avaliação do treinamento. “Essa vivência proporcionou aos estudantes uma compreensão mais profunda sobre o papel da ciência na construção de políticas públicas eficazes e contextualizadas”, relata Cecília.
A articulação entre a universidade e o território gerou frutos. Por meio do grupo de estudos sobre saúde indígena, vinculado ao PPGO, estão sendo produzidos três guias adaptados culturalmente para a atenção odontológica de povos originários. Além disso, duas alunas indígenas da graduação Celannye Inara, da etnia Guajajara, estão desenvolvendoseus Trabalhos de Conclusão de Curso com foco na saúde bucal de suas comunidades, mostrando a potência da pesquisa decolonial e do protagonismo indígena no ensino superior público.
Compromisso institucional e expansão das ações
Após a primeira formação, a parceria com a SESAI expandiu as ações para outras regiões do país, com treinamentos remotos para profissionais do DSEI Juruá (AC) e Alto Rio Negro (AM). Também foram produzidos materiais técnicos e digitais para apoiar o trabalho de Agentes Indígenas de Saúde Bucal. Um site específico com conteúdo adaptado à realidade cultural dos povos foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa da UFMA, fortalecendo o acesso à informação em saúde nos territórios.
“A universidade tem um papel insubstituível no enfrentamento das desigualdades socioambientais. É a partir da ciência, da formação crítica e da extensão comprometida que conseguimos dar visibilidade às violências históricas contra os povos indígenas e propor caminhos de respeito à sua autonomia, cultura e território”, conclui a professora Cecília.
Entrevista | Professora Cecília Ribeiro
Docente do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFMA e coordenadora da ação de qualificação em saúde bucal nos territórios indígenas Yanomami
1. Professora Cecília, como surgiu a proposta de desenvolver uma qualificação em saúde bucal especificamente voltada para os territórios indígenas Yanomami, e qual o papel da UFMA nesse processo?
O convite veio da Coordenação-Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, diante do reconhecimento do trabalho que temos desenvolvido no nosso grupo de pesquisa no PPGO-UFMA, com temas como integralidade em saúde, atenção odontológica nos primeiros mil dias de vida e odontologia baseada em mínima intervenção. Eu fui presencialmente a Roraima com a aluna de pós-graduação Luiza Queiroz, para ministrar a formação de 16 horas às equipes que atuam no território Yanomami. A UFMA teve um papel crucial, oferecendo o respaldo institucional necessário para viabilizar nossa participação.
2. A senhora liderou uma ação que integra saberes acadêmicos e tradicionais em um contexto altamente complexo. Quais foram os principais desafios enfrentados para adaptar os conteúdos da formação à realidade cultural e geográfica dos povos Yanomami?
Foi essencial escutar os profissionais locais e adaptar os conteúdos à cosmovisão Yanomami. Eles têm uma relação ancestral com a floresta e com os animais, em uma lógica de vida que se alinha ao conceito de Saúde Única. Enfrentamos o desafio de construir uma abordagem que respeitasse os diferentes níveis de contato com o meio externo, e que reconhecesse os impactos negativos da chegada de alimentos ultra processados, do álcool e das mudanças em seus hábitos alimentares e estilos de vida.
3. A qualificação promovida contempla os princípios da abordagem da Saúde Única (One Health). Como essa perspectiva foi incorporada às ações de capacitação e de que maneira ela amplia o impacto da saúde bucal nas comunidades indígenas?
A Saúde Única foi a base conceitual da qualificação. Mostramos como a saúde bucal está ligada à saúde geral e às transformações ambientais. Por exemplo, o aumento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão, se relaciona com o adoecimento bucal progressivo. A cárie nas crianças, a doença periodontal na adolescência e idade adulta, são indicadores claros desse processo. O modelo Yanomami de caçador-coletor, que favorecia uma saúde integral, está ameaçado. É nosso papel sensibilizar as equipes de saúde para atuar respeitando esses modos de vida.
4. A ação envolveu discentes do Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFMA. Como foi a experiência de extensão para esses estudantes e que contribuições científicas e sociais emergiram dessa participação?
A ida da Luiza foi transformadora. Ela pôde vivenciar como os dados de pesquisa podem ser aplicados diretamente na realidade social. Essa imersão nos levou a criar um grupo de estudos em saúde indígena, que já gerou três guias de saúde bucal culturalmente adaptados para os povos originários. Além disso, duas alunas indígenas da graduação, Cellanye Inara, estão desenvolvendo seus Trabalhos de Conclusão de Curso sobre o tema, aplicando esses conhecimentos em suas próprias comunidades Guajajara.
5. Considerando os impactos ambientais, sociais e econômicos que ameaçam a saúde dos povos indígenas, como a senhora avalia o papel da universidade pública e da ciência na promoção de políticas públicas eficazes e respeitosas às especificidades desses territórios?
A universidade pública tem um papel essencial como espaço de produção de conhecimento, de formação crítica e de construção de políticas públicas. Precisamos compreender e divulgar como o desmatamento, o avanço da mineração e o uso de agrotóxicos impactam diretamente a saúde das populações indígenas e, em última instância, a saúde do planeta. A UFMA tem dado importantes passos com políticas inclusivas que valorizam os saberes indígenas e garantem que esses estudantes tenham voz, protagonismo e formação qualificada.
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