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Segunda do Português: "Ditado popular"
Ditado popular
A língua é o maior legado cultural de um povo e reflete traços comportamentais e do modo de viver da sociedade onde é cultivada. Por isso é que existe tanta resistência a mudanças impostas nas estruturas linguísticas, como se viu com o Acordo Ortográfico, que só foi plenamente adotado pela população do Brasil, mas os povos português, angolano e moçambicano ainda não “engoliram” as mudanças decididas nos gabinetes dos palácios de países lusófonos. Da mesma forma, a tão alardeada linguagem neutra nunca vai vingar, pois não se trata de uma mudança linguística natural. É uma proposta para atender a uma parcela de menos de 0,5% da população que se sente excluída por causa da língua portuguesa, além de ser uma mudança que altera negativamente a língua, pois tenta-se empurrar a alteração linguística “goela baixo” dos falantes, e não é assim que as mudanças acontecem em uma língua. Além disso, é muite polêmique.
Mesmo sabendo que o povo é soberano em sua forma de conduzir o idioma, trouxemos, em nossa coluna de segunda-feira, uma expressão específica da língua popular que carrega consigo uma grave infração à gramática. Observe no exemplo abaixo:
Assim que pulei o muro da penitenciária, pensei: pernas, pra que te quero.
Temos consciência de que alguns aspectos linguísticos estão tão arraigados na língua e fazem parte da maneira de falar de nosso povo, que não existe possibilidade de tentar modificá-los na busca de uma adaptação ao padrão culto. A título de curiosidade, vamos analisar a expressão destacada acima, demonstrando a incongruência gramatical existente nela. O pronome TE refere-se a uma única pessoa (segunda pessoa do singular), portanto só pode ser usado no singular. Na mesma frase, temos o vocativo PERNAS, que está no plural, exigindo que o pronome que a ele se refira também esteja no plural (no caso, VOS). Portanto a forma gramaticalmente correta seria: “Pernas, pra que vos quero” (ou seja, “pernas, para que quero vocês”). A expressão “pernas, pra que te quero” infringe a gramática porque não existe concordância entre o vocativo “pernas” e o pronome que o retoma (te). O único que fala essa expressão corretamente é o Saci Pererê, que tem uma única perna, e diz:
Perna, pra que te quero.
É lógico que essa expressão, tão popularmente incrustada no falar do brasileiro, não pode ser modificada: cristalizou-se “pernas, pra que te quero” e é assim que vai ficar. Mas vale esta observação pelo fato de ser uma curiosidade gramatical.
Por: Jáder Cavalcante