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Servidor da UFMA conquista primeiro lugar em concurso literário
Ocorreu, nesta quarta-feira, 31, a cerimônia de premiação do II Concurso Literário Maria Firmina dos Reis, realizado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. O concurso contempla três categorias: conto, crônica e poema.
Na categoria crônica, o primeiro lugar foi conquistado pelo servidor da UFMA Jáder Cavalcante de Araújo, revisor de textos da Diretoria de Comunicação. Com uma prolífica produção textual, Jáder tem publicado diversos livros e auferido prêmios literários com frequência. Jáder comentou a conquista do primeiro lugar. “Vencer um concurso literário de tamanha importância no Estado do Maranhão é gratificante, pois é o reconhecimento de um trabalho árduo, porém prazeroso, uma vez que escrever é o meu hobby”.
O tema do concurso literário é “violência doméstica contra a mulher”, e essa mobilização tem um papel importante na conscientização das pessoas sobre essa mazela social que ainda assola nosso país em pleno século XXI. Com a permissão do autor, a Diretoria de Comunicação da UFMA publica a crônica vencedora:
QUANDO SEREMOS UMA SOCIEDADE CIVILIZADA?
Por: Jáder Cavalcante
Intolerância. Por mais antipático que possa parecer esse substantivo, por sua carga semântica, que nos remete ao radicalismo, não pode ser outra a atitude da sociedade perante a vergonhosa onda de violência contra a mulher que vem fazendo parte do cotidiano brasileiro há bastante tempo, com um ridículo ritmo de arrefecimento a conta-gotas. Hoje, é inegável que houve avanços no combate à violência doméstica, talvez frutos de campanhas de conscientização e de um esforço incessante da mídia em explicitar essa chaga de nossa sociedade.
Lima Barreto, o consagrado escritor de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, há mais de cem anos, publicou a crônica “Não as matem”, em que fez uma crítica contundente sobre uma prática muito comum na época, que era o uxoricídio, às vezes seguido de suicídio. Barreto, em 1915, foi motivado pelos sucessivos casos noticiados pela mídia, uns por adultério, outros por inconformismo pelo fim de um relacionamento. Em sua tentativa de alertar seus leitores sobre a vileza dos assassinos, o cronista salienta que “Eles se julgam com o direito de impor o seu amor ou o seu desejo a quem não os quer”. Infelizmente, a afirmação permanece atual, mesmo com seus 107 anos de idade.
Vergonhosamente, o Brasil está entre os cinco países onde mais se pratica violência contra a mulher, e o que é pior: a cada dez agressões a mulheres, quatro acontecem dentro de casa, ou seja, o algoz é o companheiro, que, nesses casos, deixou de lado o companheirismo. Se retrocedermos algumas décadas, veremos que pouquíssimos casos de violência contra a mulher eram denunciados, e isso melhorou bastante na atualidade, embora ainda esteja longe do ideal de 100%, uma vez que menos da metade das mulheres agredidas hoje em dia prestam ocorrência policial.
Em solo brasileiro, três mulheres são vítimas de algum tipo de violência por minuto, e há um feminicídio a cada sete horas. São números assustadores, que descredibilizam qualquer sociedade moderna de ser chamada de “civilizada”, mais se assemelhando ao comportamento dos bárbaros no início da Idade Média.
Excetuando-se alguns casos de violência premeditada, a maioria das agressões contra as mulheres surge de um destempero do agressor, ou seja, existe um aspecto passional, que é muito difícil de combater e, principalmente, de prever, até porque não existe agenda para o descontrole. Junte-se a isso o estereótipo de macho com eme maiúsculo que permeia a personalidade do homem brasileiro, o que contribui ainda mais para essa violência espontânea. Voltando às estatísticas, temos os estados de Alagoas e do Acre (entre os piores IDHs do país) com o título negativo de campeões de agressões contra a mulher, o que nos sugere que os homens com pouca escolaridade e baixo nível social são mais propensos a agir violentamente contra suas companheiras, não retirando da lista negra — é bom frisar — aqueles que tiveram a oportunidade de estudar e prosperar. Ainda está fresco, na memória do brasileiro, o assassinato cometido pelo jornalista Pimenta Neves, ex-diretor de O Estado de São Paulo, que vitimou sua ex-namorada Sandra Gomide no ano 2000.
Outro aspecto relevante a ser mencionado é a covardia que envolve a violência doméstica, primeiro pelo biótipo físico do homem, que quase sempre se sobrepõe ao da mulher. Mas mais covarde ainda é aproveitar-se da confiança e, muitas vezes, da dependência da mulher para cometer crimes contra ela. Não se podem admitir atos de violência justamente daqueles que, tradicionalmente, ao longo da história humana, têm assumido o papel de protetores dos membros do lar.
Não se pode esquecer-se de incluir a impunidade como um dos fatores que favorecem a prática de crimes contra a mulher no ambiente doméstico. Com o aparato policial cada vez mais sucateado e uma justiça leniente e modorrenta, muitos feminicídios levam anos para irem a julgamento — quando vão! — porque somente dez por cento dos crimes de morte são julgados no Brasil. Já que mencionamos Pimenta Neves, lembremos que seu caso foi emblemático também pelo trâmite processual: passaram-se dez anos até ele ser julgado e condenado, e, só depois de uma infinidade de interposições legais, ele foi para a cadeia, onde permaneceu por ínfimos cinco anos. Depois saiu por bom comportamento. Este cronista perdeu uma amiga há uns quinze anos, e seu marido feminicida fugiu, nunca tendo sido alcançado pelos hirtos braços da Justiça. No caso de agressões físicas leves, raramente o agressor é punido com pena de detenção.
Por essas e muitas outras é que devemos ser realmente intolerantes no que concerne à violência doméstica contra a mulher. Basta de humilhações! Basta de grosserias! Basta de hostilidades! Nem em música cabe mais “um tapinha não dói”, porque, se até palavras machucam, o tapinha dói, sim, senhor! Para que os índices de violência contra a mulher caiam de forma mais agressiva, os agressores têm de ser tratados com rigor e rapidez, para que sirvam de exemplo profilático contra futuros atos de violência, seus e de outros. E, é claro, devem-se intensificar campanhas para a implantação de uma rede de proteção à mulher, envolvendo toda a sociedade, desde familiares até vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Só assim, com tolerância zero e o engajamento das pessoas, podemos vislumbrar uma sociedade da qual possamos nos orgulhar, uma sociedade que possa, meritoriamente, ser chamada de civilizada.
Por: DCom
Revisão: Jáder Cavalcante