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Professora promove, em Pinheiro, oficina de produção de sabonetes a artesãs do Quilombo Luciana, do município de Serrano do Maranhão
Há aproximadamente 150 anos, uma quilombola chamada Luciana fez morada em imediações do município de Serrano do Maranhão (mapa), há 187 km de São Luís, em área localizada próximo ao litoral noroeste do Maranhão, junto ao município de Cururupu. Hoje, o Quilombo Luciana, com população de cerca de 280 descendentes da quilombola original, vive da extração de babaçu, do óleo, mesocarpo, fubá, peixe, frutas, juçara, buriti, bacaba e outros produtos naturais, conforme relatou Deusilene Rodrigues Ferreira, 43 anos, conhecida como Dona Mirica, uma das lideranças locais.
O extrativismo – que pode ser resumidamente atribuído como a coleta produtos naturais, podendo ser de origem vegetal, animal ou mineral – é a mais antiga atividade humana, antecedendo a agricultura, a pecuária e a indústria. Combinando essa prática ao conhecimento em química, uma nova atividade está em experimentação pelo quilombo, dentro de uma iniciativa da Universidade Federal do Maranhão: a produção de sabonetes artesanais com recursos naturais da região, em que Dona Mirica e mais 13 artesãs participaram, no dia 2 deste mês, de uma oficina promovida em projeto da professora do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (BICT) do Câmpus São Luís, Mikele Cândida Sousa de Sant’Anna, dentro do Edital Iniciativas Mais IDH, da Fapema, em parceria com a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop). A aula foi ministrada pela administradora e artesã convidada Magda Melo dos Santos Souza, da Magnólia Saboaria Artesanal, em laboratório do Câmpus de Pinheiro.
Na ocasião, além dos artefatos e produtos químicos base para a produção de sabonetes, como espátula, moldes, medidores, laurel, essências e corantes, também foram utilizados produtos naturais extraídos pelas próprias quilombolas, como óleos de babaçu e de andiroba. O manejo e o trabalho em equipe empolgaram Dona Mirica, que vê boas perspectivas. “Esta produção de sabonetes artesanais é um trabalho muito produtivo que vai gerar muita renda, somos mulheres guerreiras, agricultoras trabalhadeiras, sabemos que isso será uma fonte de renda valiosa para complementar a fonte de renda das famílias da comunidade”, expressou.
A professora Mikele Cândida, também engenheira química e professora do curso de Engenharia Aeroespacial do BICT, informou que o Edital Mais IDH contempla os dez municípios com menor IDH no Maranhão, em que o projeto dela obteve a aprovação em 2018, com participação de um técnico em agricultura e de lideranças do Quilombo Luciana, sugerido pelo Banco do Nordeste (BNB), cujo contato com o quilombo se deve a um empréstimo feito para a compra de uma fabriqueta para a produção de litros de óleo de babaçu. Segundo a docente, havia justamente a demanda local de desenvolver produtos baseados na matéria-prima gerada pelo maquinário. “A proposta dos biocosméticos é fomentar geração de renda para que possam recuperar a fabriqueta. Então vamos ensinar a produzir sabonete, máscara capilar, sabão líquido, vela difusora, aromatizador de ambiente, hidratante, todos esses produtos feitos com recursos naturais”, acrescentou.
A pandemia, como a professora destacou, foi um fator bastante complicador para a execução das ações, uma vez que todos tiveram que realizar isolamento social. A duração do projeto então foi estendida para até o final deste ano. As iniciativas foram discutidas junto com a própria comunidade para observar sua respectiva aptidão e potencial de produção e, mesmo com a finalização do projeto ao final 2022, a UFMA continuará assessorando o quilombo neste trabalho, confirma a docente. As ações contam com a participação de duas alunas do Câmpus de Pinheiro, e a ideia é que, como ação de marketing, os produtos sejam nomeados com os próprios nomes e/ou apelidos de pessoas do quilombo.
“É de se admirar, fico com coração cheio quando vou a uma comunidade como essa, porque é muita luta, muito cuidado com as coisas, muita alegria. A gente percebe que tem muita vulnerabilidade, mas também muita cooperação. Isso é tradicional de uma comunidade quilombola, não vivem no modo de vida capitalista, têm colaboração, trabalho encadeado para toda a comunidade. Toda decisão é feita em conjunto. Temos que encontrar a aptidão, mas também valorizar e usar o saber tradicional, produzir com isso a geração de renda”, realçou a docente.
O convite a Magda Melo para ensinar a produção de sabonetes artesanais foi feito em 2021, e essa foi a segunda vez que promoveu a oficina para as quebradeiras de coco. Na primeira, a aula foi feita no próprio quilombo, com participação de 30 a 40 pessoas, entre mulheres e homens. Magda contou que seu interesse nos sabonetes artesanais veio em decorrência de uma alergia aos sabonetes industrializados de sua filha Ária Nicole – na época, aos 4 anos de idade e hoje com 7. Magda então pesquisou receitas de sabonetes artesanais, e o sucesso da experiência foi espalhado pela própria filha, que começou a falar aos coleguinhas que a mãe produzia “um sabonete que não arde”. As mães das crianças souberam da novidade e pediram à artesã que produzisse sabonetes aos filhos, com demanda até mesmo para darem de presente a outras famílias.
A possibilidade de conseguir uma renda e ficar mais próximo de sua filha foram os principais motivadores para que explorasse ainda mais as receitas e experimentasse novas fórmulas. Magda Melo hoje produz sabonetes com cheiros de frutas e usa produtos como aveia, argila, buchas e outros produtos esfoliantes. “Pesquisando, vi que dava para juntar dois, três tipos de essência, sabonete esfoliante com sementes de maracujá, chia, aveia e argila. Quanto mais produto natural você agrega, mais fica diferente do mercado, o que faz as pessoas valorizarem, e você pode comprar um sabonete que vai tratar do tipo específico de cada pele. As mulheres quilombolas podem utilizar muito o coco babaçu e outros produtos para valorizar os sabonetes produzidos por elas”, avaliou.
Maria da Conceição Ferreira Silva, conhecida como Dona Ambrósia no Quilombo Luciana, de 63 anos, falou sobre a matéria-prima local e elogiou a iniciativa. “É uma renda boa que podemos conseguir, é uma elevação para nossa comunidade. Temos maracujá, babaçu, juçara, acerola, capim-limão, temos tudo para produzirmos os sabonetes artesanais. Tudo é um ganho, pois a gente se ajuda na nossa comunidade”, comentou. Audilene Pires Cateliano, artesã de 18 anos de idade, que também gostou muito da nova experiência: “É um produto que não estraga, que podemos fazer com o que cultivamos”, resumiu.
Por: Luciano Santos
Fotos: Luciano Santos
Revisão: Jáder Cavalcante