Notícias

SÉRIE PRÊMIO FAPEMA 2024

Prêmio Fapema: pesquisa premiada revela desafios na atenção primária e saúde materna no Brasil

publicado: 27/02/2025 09h03, última modificação: 27/02/2025 17h02
Prêmio Fapema: pesquisa premiada revela desafios na atenção primária e saúde materna no Brasil

A atenção primária é o primeiro nível de contato das pessoas com o sistema de saúde. Ela se baseia em cuidados essenciais e contínuos, visando à promoção, prevenção, ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças. A abordagem tem um foco importante na relação entre profissionais de saúde e pacientes, buscando integrar cuidados e serviços de maneira que seja acessível, eficaz e de qualidade para toda a população.

Os cuidados contínuos são considerados pilares da saúde pública, uma vez que o acompanhamento do paciente, ao longo do tempo, evita a fragmentação dos cuidados e contribui para a prevenção de doenças.

Para destacar essa temática, a pesquisadora egressa do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) Isabelle Aguiar Prado, sob a orientação da professora Erika Thomaz, desenvolveu um estudo que investiga a relação entre os cuidados na atenção primária à saúde e o bem-estar da mãe e do recém-nascido ao longo de toda a gestação e no período pós-parto.

A pesquisa “Internações por Condições sensíveis à Atenção primária nos Primeiros 1000 dias: uma análise espaço-temporal no Brasil” foi uma das vencedoras do Prêmio Fapema 2024, na categoria Tese de Doutorado, na área Ciências da Saúde, sendo reconhecida por abordar um tema sensível e de relevância nacional. 

Entendendo a problemática

A atenção primária à saúde desempenha um papel crucial no acompanhamento da gravidez, oferecendo cuidados essenciais desde o início da gestação. Ela atua como a primeira linha de apoio às mulheres grávidas, com foco na promoção da saúde, prevenção de complicações e garantia de um acompanhamento contínuo. Envolve todo o processo de acompanhamento pré-natal, avaliação dos riscos e prevenção, atenção ao parto e ao pós-parto.

Os primeiros mil dias de vida, que englobam desde a concepção até o segundo ano de idade, é um período crítico para o desenvolvimento infantil e a saúde materna. Durante essa fase, a qualidade da atenção primária à saúde pode determinar o futuro da criança e da mãe, prevenindo agravos e evitando internações desnecessárias.

“Condições sensíveis à atenção primária são uma lista de doenças ou agravos que poderiam não ter ocorrido, poderiam ter sido prevenidos se a atenção primária em saúde, que no Brasil é principalmente feita pela estratégia Saúde da Família, tivesse tido uma boa atuação. Se fizer visita domiciliar às pessoas, incentivar uma alimentação saudável, imunização adequada, prática de atividade física, o seu trabalho bem-feito, várias internações hospitalares poderiam ser evitadas”, explicou a orientadora, Erika Thomaz.

“Então, como eu já estava dentro dessa investigação de internações com condições sensíveis, percebi uma lacuna na literatura quanto a esse comportamento das internações no Brasil, ao longo dos anos. Desde quando a gente tem dados disso, a partir de 2008, entendendo que as políticas públicas de atenção primária foram acontecendo ali ao longo desse período, então, queríamos entender isso, porque não achamos registros. E, assim, surgiu essa ideia”, acrescentou a pesquisadora, Isabelle Aguiar, sobre os motivos que as levaram à investigação.

Desafios da Pesquisa 

Um dos maiores desafios enfrentados pelos pesquisadores foi a obtenção e o tratamento dos registros de internações. Como o estudo abrangeu mais de uma década e envolveu milhões de registros, foi necessário lidar com bases de informações extremamente grandes.

“Um grande desafio para a gente foi a obtenção dos dados, porque nós trabalhamos com dados de todo o Brasil, então são milhões e milhões de internações. Tivemos que abrir contas em programa para poder receber os dados, porque eram bancos de dados gigantescos. Acessamos todas as internações hospitalares e, desse total, 1,4% mais ou menos eram em mulheres e crianças nesses primeiros mil dias; o restante atingia outros públicos. Isso totalizava mais de um milhão de internações, em doze anos”, esclareceu Erika.

Além disso, o trabalho, que, por si só, já apresentava certas barreiras, atravessou também o período da pandemia de covid-19, que impactou diretamente no processo de investigação. “Eu acho que o outro desafio maior, mesmo para mim, foi a questão da mudança de rotina com a pandemia. Tivemos que fazer tudo on-line, e boa parte inicial desse novo projeto foi construída a distância. Essa adaptação também foi um desafio, reorganizar tudo de maneira geral”, comentou Isabelle.

Resultados encontrados

Embora diferenças regionais já fossem previstas, as pesquisadoras se surpreenderam com o contraste entre mulheres e crianças nos primeiros mil dias de vida. Enquanto a situação das crianças melhorou, a das mulheres piorou consideravelmente.

“Isso se relaciona com a mortalidade materna, que o Brasil já não conseguiu reduzir no passado e provavelmente não vai alcançar agora. A pandemia agravou muito essa situação. A mortalidade infantil, por outro lado, já tinha sido reduzida. A gente consegue um pouco explicar esse dado pensando na mortalidade materna. O Brasil, assim como muitos países do mundo, assinou um pacto do desenvolvimento sustentável, as ODS. Então, já no ano anterior, que eram os Objetivos do Milênio, o Brasil não alcançou a redução de mortalidade materna que era preconizada e, agora, provavelmente não alcançará novamente com esses dados”, destacou Érika.

A pandemia também teve um impacto desigual. Os dados mostraram que os grupos em situação mais vulnerável foram os mais prejudicados.

“Logo em junho de 2020, as regiões Norte e Nordeste, que já tinham um cenário ruim, tiveram uma queda muito brusca das internações. O que mostra para a gente que essa queda da internação, que poderia ser um dado bom, na verdade, é um dado que essas mulheres e crianças, que estavam chegando em grande volume ao serviço hospitalar, não conseguiram chegar. Nós entendemos que esses serviços estavam totalmente abarrotados de questões de covid, e essas pessoas não chegaram ao hospital, não chegaram a ter um registro de internação. Isso foi pior no Norte e Nordeste e um pedaço do Centro-Oeste, mas, especialmente, no Norte e Nordeste. O Sudeste não ficou tão impactado”, ressaltou Isabelle.

A pandemia também demonstrou a necessidade de uma atenção primária mais estruturada, que consiga manter seu funcionamento mesmo em cenários de crise sanitária. “Uma lição que fica é que, em momentos de crise sanitária, a atenção primária foi praticamente desfeita. Em vez de ser protagonista, foi recolhida. Nos locais mais pobres, a rede de saúde focou tanto na pandemia que outras condições, como câncer, hipertensão, diabetes e asma, ficaram sem assistência. Precisamos de uma atenção primária mais forte, que não se desmonte diante de emergências”, apontou Erika

A conquista do prêmio

As pesquisadoras receberam com grande emoção a conquista do Prêmio Fapema 2024, ressaltando que o reconhecimento do trabalho é importante para condecorar o esforço de anos de trabalho.

“Eu fiquei muito feliz quando saí nas três indicações para as finalistas. E eu não esperava. Quando saiu o resultado, fiquei muito, muito feliz, já estava emocionada. Fiquei extremamente feliz e realizada. O doutorado foi muito difícil, assim como o mestrado que fiz junto. Todo esse cansaço da formação torna essa conquista ainda mais significativa. Foi uma materialização dessa trajetória”, comemorou Isabelle.

A orientadora, Erika Thomaz, destacou a importância da pesquisa desenvolvida por sua orientanda, que resolveu inovar, contribuindo para outra área, que não a sua originariamente.

“Isabelle é dentista e fez mestrado em Odontologia, mas resolveu inovar e trilhar um caminho diferente, vindo para o programa em Saúde Coletiva. Isso abriu os horizontes dela para problemas além da saúde bucal. Esse prêmio é um reconhecimento do trabalho hercúleo que ela fez. Não foi só uma tese, foram duas. Foi superjusto.”

A conquista reforça a importância do incentivo à pesquisa e da valorização dos profissionais dedicados à produção científica no país.

Por: Giovanna Carvalho

Produção: Ingrid Trindade 

Fotos: Ingrid Trindade

Revisão: Jáder Cavalcante

registrado em: