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Pesquisa sobre sonoridades do Bumba Meu Boi marca doutorado de egressa do Câmpus São Bernardo e conquista histórica para o interior
A Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por meio do curso de Ciências Humanas/Sociologia do Câmpus de São Bernardo, celebra um marco histórico: a professora Daciléia Lima Ferreira, egressa do curso, tornou-se a primeira formada do curso a concluir o doutorado. A tese intitulada “Bumba meu boi Brilho Quilombo Povoado Vila das Almas: desvendando sonoridades e sociabilidades no quilombo Saco das Almas, em Brejo/MA” foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), revelando um trabalho pioneiro sobre as camadas sonoras que estruturam o bumba meu boi da comunidade quilombola Vila das Almas.
Mais do que analisar a música, a pesquisa explora vocalizações, gritos, comandos e silêncios que compõem o ritual e fortalecem a identidade da comunidade. A tese mostra como a oralidade e as sonoridades organizam a vida social e ritualística do quilombo, consolidando-se como um estudo inovador que une sociabilidade e etnografia do som.

Conquista para o interior
Para o curso de Ciências Humanas da UFMA, em São Bernardo, a defesa da tese é uma vitória coletiva. O professor Josenildo Campos destaca que a conquista é motivo de orgulho, pois reafirma o papel da Universidade no interior do estado. “Para nós, docentes do curso, é uma grande realização! A Daciléia recebeu sua formação inicial conosco e ver que essas bases permitiram que ela chegasse ao doutorado, sempre conectada ao quilombo Saco das Almas, é motivo de muito orgulho. Suas pesquisas projetam a cultura quilombola maranhense para o mundo”, afirmou.
O caráter interdisciplinar da pesquisa também foi ressaltado pelo professor. “O curso de Ciências Humanas tem a interdisciplinaridade como marca. A tese da Daciléia dialoga com Sociologia, Antropologia, Linguagens e Artes, mostrando como essa formação permitiu compreender as tradições do quilombo com base nas sonoridades. É um exemplo claro da força do nosso projeto acadêmico no interior”, declarou.

Ele acrescentou ainda que o caminho aberto pela egressa já inspira outras turmas. “Com certeza, a trajetória dela inspira! Já temos vários egressos que são mestres e outros fazendo doutorado. Quando a Daciléia foi a primeira, abriu caminho e se tornou um incentivo para colegas da turma dela e de outras turmas”, completou.
A pesquisa e as descobertas
A própria pesquisadora lembra que sua motivação surgiu ao deslocar o olhar para a escuta. “Venho estudando os saberes griôs quilombolas do Saco das Almas desde a graduação, mas meus trabalhos sempre foram muito centrados na visão. Quando conheci o Bumba meu boi da Vila das Almas, fui atraída pelos sons. As sonoridades me convidavam a percebê-las, e foi aí que começou a minha jornada para compreender as sonoridades e sociabilidades do boi, resultando em uma socioetnossonia”, contou Daciléia.
Entre os resultados mais relevantes, a tese registrou um termo de origem africana que atravessou gerações. “Ao longo da pesquisa, identifiquei sonoridades que vão além da música visível: os comandos dos brincantes, os gritos, os foguetes, os silêncios. Um achado importante foi o termo 'tanguliar', presente em uma toada, que vem do suaíli, língua de origem banto da África. Em português, o termo pode ser traduzido como “vá em frente” ou “avance”. Essa descoberta mostra como a oralidade ainda carrega memórias ancestrais na cultura quilombola”, destacou.
A receptividade da comunidade foi fundamental para a pesquisa. “A receptividade da comunidade foi extremamente positiva, fruto da minha trajetória de quase uma década de envolvimento com a Vila das Almas. A pesquisa ajudou a registrar e valorizar a retomada do bumba meu boi, liderada por Dona Dudu, após vinte anos de adormecimento. Para os moradores, o trabalho representa resistência, fortalecimento da memória coletiva e reafirmação da identidade quilombola”, relatou.

O ineditismo do estudo, segundo Daciléia, abre novas perspectivas para os estudos quilombolas no Maranhão. “Minha pesquisa é inédita por ser o primeiro estudo acadêmico sobre o Bumba meu boi da Vila das Almas e por trazer um quadro socioetnossônico baseado em uma tradição quilombola. Além disso, trouxe achados sobre ancestralidade africana, como a palavra 'tanguliar', e revelou as singularidades de um bumba meu boi quilombola, diferente dos da capital”, afirmou.
Conquista pessoal e coletiva
A conquista também carrega um forte simbolismo coletivo. “Essa conquista é pessoal, mas também coletiva. Demonstra que é possível fazer ciência de qualidade a partir do interior. Ser a primeira egressa do curso a alcançar o doutorado é um marco para oCâmpus de São Bernardo e para a UFMA, mostrando que a interiorização do ensino superior está gerando frutos concretos”, declarou.
Após uma jornada intensa, a pesquisadora prevê uma pausa antes de novos projetos. “Agora pretendo fazer uma pausa, necessária após uma trajetória intensa. Mas sigo atenta aos desdobramentos da pesquisa, especialmente à devolutiva para a comunidade e à organização do material para futuras publicações e novos projetos”, finalizou.
Com essa defesa, a trajetória de Daciléia Lima Ferreira reafirma a importância da UFMA no processo de interiorização do ensino superior, mostrando que o conhecimento científico produzido no Maranhão tem raízes locais e alcance global. Sua pesquisa dá visibilidade à cultura quilombola e inspira novas gerações de pesquisadores comprometidos com a memória e as tradições do estado.
Por: Geovanna Selma
Produção: Sarah Dantas
Fotos: acervo pessoal
Revisão: Jáder Cavalcante