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ARTIGO
Para tocar mentes e corações
Mesmo em meio ao cotidiano de muitas tarefas, existe sempre espaço para a paixão, e, no meu caso em particular, uma delas é a leitura. Assim que para mim foi uma jornada prazerosa percorrer as 258 páginas de “Labirinto do cérebro”, título do livro de meu confrade da Academia Nacional de Medicina e neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho. A arte das mãos que são capazes de acessar com maestria e delicadeza a caixa craniana para extirpar um tumor foi a mesma que escreveu um pequeno tratado sobre o cérebro, escrito de forma acessível a qualquer pessoa que tenha interesse no assunto, sem, contudo, perder a qualidade da informação.
Longe da academia e com a mesma precisão da informação científica, pode-se dizer que, com o “Labirinto do Cérebro”, o escritor Paulo se inscreve no rol dos divulgadores científicos cuja habilidade é transformar temas de difícil compreensão em algo atraente e, posso afirmar, em leitura agradável, cheia de conexões que vão da poesia à reminiscência histórica sobre a trajetória do conhecimento desse ainda enigmático e fascinante órgão.
Um bom texto tem alguns atrativos, e um deles é contar histórias aparentemente banais, dessas que a vida produz por pura coincidência ou acontecimentos fortuitos, mas que, sob o olhar do escritor, ganha dimensões muito maiores, uma vez que, sendo narrativa dos infortúnios ou da fortuna que cercam os dramas humanos, toca-nos a todos.
Exemplifico: no capítulo 6 do livro, intitulado “Os movimentos involuntários”, o olhar do médico é atraído por um homem no saguão do aeroporto Santos Dumont, o qual apresentava movimentos faciais involuntários na forma de espasmos bastante intensos. Num dado momento, a fila os aproximou, e dr. Paulo dirigiu-se ao senhor comentando que aquela situação tinha tratamento por meio de cirurgia e que ele tinha chances de cura. O homem agradeceu e disse que recebera essa informação e que pretendia procurar o dr. Paulo, cuja fama de bom neurocirurgião se espalhava Brasil afora. Vejam só as coincidências da vida.
As citações históricas são outro atrativo do livro, fazendo o leitor percorrer boa parte da longa e intrincada história do conhecimento sobre o cérebro. Na narrativa, somos informados dos prodígios nessa área, como Franz Gall, fisiologista alemão do séc. XVII/XVIII que muito contribuiu para o conhecimento das funções do cérebro, mas que ficou conhecido apenas como criador da Frenologia, cujo objetivo era avaliar características das funções mentais com base na análise da estrutura craniana. Em meados do séc. XIX, estava desacreditada e considerada como pseudociência. Mas ali estava um tijolo, por bem dizer, que mais tarde deu pistas para descobertas incríveis como o mapeamento das regiões do córtex cerebral realizado pelo alemão Korbinian Brodmann no início do séc. XX.
O leitor também encontrará o relato da cirurgia que revolucionou a psiquiatria nos anos de 1940, pelo menos como pareceu no início. A lobotomia, criada pelo médico português Egas Moniz, foi o feito que lhe garantiu o prêmio Nobel de Medicina em 1949. Até meados dos anos 1950, sobretudo pacientes esquizofrênicos não tinham nenhum tratamento medicamentoso disponível, exceto clínicas de repouso que utilizavam várias formas de terapia sem nenhuma comprovação científica. Algumas delas resvalavam quase para a pura tortura, como a forma pela qual davam choques, hoje um método de tratamento chamado eletroconvulsoterapia, realizado sob o máximo cuidado com o paciente anestesiado em salas de cirurgia.
Abro parênteses para mencionar o filme que conta um pouco da trajetória da psiquiatra brasileira Nise da Silveira, “No coração da loucura” (2015), que menciona os métodos de tratamento considerados no início de sua carreira, entre os quais o choque e a leucotomia pré-frontal foram combatidos pela médica brasileira que, contra todo o preconceito, esteve à frente de seu tempo.
Para além das narrativas e desses dados científicos, outro ponto alto se mostra por meio das gravuras ilustrativas que acompanham o mosaico de assuntos, todos bem-descritos. Nenhum leitor se decepcionará, porque esta obra não faz menos do que as obras que hoje se tornaram comuns sobre o tema geral da neurociência e que, em sua maioria, são escritas por autores estrangeiros.
Bisturi e caneta se harmonizam na obra de Paulo Niemeyer Filho. Além de tocar mentes, Dr. Paulo nos prova que também consegue tocar corações.
Revisão: Jáder Cavalcante