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O fim (pode não estar) próximo

publicado: 28/03/2023 18h15, última modificação: 28/03/2023 23h26

“Quase tudo o que temos nasceu da esperança de tê-lo”. A frase — do confrade JJ Camargo — foi proferida no encerramento do simpósio organizado por ele e realizado na Academia Nacional de Medicina sob o tema “As muitas mortes”, um painel de palestras importantíssimas sobre essa temática, no último dia 9. E, de forma poética, tal assunto veio a sintonizar com o famoso ditado: “a esperança é a última que morre”.

Quantas discussões a proximidade do fim pode render? Inúmeras. E o simpósio foi uma prova dessa diversidade. O confrade oftalmologista Rubens Belfort, por exemplo, discorreu sobre a morte da visão: a cegueira. Enumerou os dramas daqueles que enfrentam essa morte — as não aceitações. Discorreu também sobre a que é congênita e narrou diversos episódios presenciados em sua trajetória nessa especialidade médica, em particular sobre o detalhamento do que acontece com os olhos ante a proximidade do fim: a diminuição do piscar de olhos e a dilatação da pupila como um sinal de que o corpo faz tudo para absorver o máximo que consegue de imagem.

O Acadêmico Antonio Egídio Nardi apresentou, por sua vez, o tema “A morte antecipada”: o suicídio. Expôs dados relevantes e histórias de vítimas famosas como Santos Dumont, Getúlio Vargas e Virgínia Woolf, bem como as inúmeras razões que podem levar uma pessoa a cometer esse gesto extremado. Os professores Flávio Kapezinsky e Jaderson Costa da Costa e o acadêmico Paulo Niemeyer Filho focaram suas falas na Neurologia: cognição e funções neurológicas. Conduziram-nos, naquela ocasião, a percorrer o labirinto complexo que é o cérebro humano. Pertinentes foram as considerações acerca da morte da esperança, que é a depressão. Serviu de metáfora a essa insidiosa doença que mata em vida a famosa frase de Dante Alighieri, cunhada na Divina Comédia. Ele adverte aqueles que adentram os círculos infernais: Deixai toda a esperança, vós que entrais!

Mas não apenas à ideia de fim os colegas se ativeram: falaram do futuro também, dos modernos (e pretensos) sistemas de melhoria e prolongamento da vida e do avanço das pesquisas recentes, seja em tratamento, seja em medicamento. Porque, afinal, o objetivo da medicina sempre foi, se não o de aniquilar a morte, pelo menos o de adiá-la.

Mas, afinal, como definir a morte? Tarefa hercúlea para a qual a medicina dispõe apenas de poucas respostas nas suas variadas especialidades. Outras áreas do conhecimento humano já tentaram cobrir a dimensão e a complexidade que o assunto desperta. Na mitologia grega, Tânatos (Leto, para os romanos) simbolizava a personificação da morte, filho de Nix, a deusa da noite. Sua presença era temida e, por vezes, seu nome era rejeitado até de ser citado nos círculos festivos. Um curioso costume adotado no mundo antigo diz respeito ao fato de a morte atender pelo nome de Óbolo de Caronte: os parentes e amigos do falecido deveriam colocar-lhe uma moeda na boca antes do enterro, para que Caronte, o barqueiro que levava as almas através do rio que separava o mundo dos vivos do mundo dos mortos, fosse recompensado.

A literatura tenta dar conta desse infinito de elucubrações fantásticas. Nosso conterrâneo Gonçalves Dias indaga em poesia: Se se morre de amor! – Não, não se morre..., já a poetisa Cecília Meireles lamenta: “já não se morre de velhice, nem de acidente, nem de doença, mas só de indiferença...”. Álvares de Azevedo lamenta uma possível partida: “Quanta glória pressinto em meu futuro! / Que aurora de porvir e que amanhã!/ Eu perdera chorando essas coroas/ Se eu morresse amanhã!”.

A morte também empresta títulos curiosos para obras renomadas, como a conhecida “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua”, de Jorge Amado e o comovente “A Morte de Ivan Ilitch”, do russo Liev Tolstói, que nos toca com o destino da personagem título e de como as coisas são relativizadas ante a proximidade do fim. No cinema, Brad Pitt encarnou a própria morte no filme chamado “Encontro marcado” (1998), quando ela vem para levar um rico empresário e acaba se apaixonando por uma mulher. Outra narrativa interessante é a que conta o filme "O sexto sentido”, (1999), com Bruce Wiilis, cuja personagem está morta e ainda não sabe.

Mesmo sabendo de nossa finitude, seguimos adiante, no tempo que Agostinho só considera presente. Fazemos votos de muitos anos felizes e saudáveis e protelamos ao máximo nossa despedida deste plano. Não à toa o Apóstolo São Paulo vai dizer, na “Primeira Epístola aos Coríntios”, que o último inimigo que será destruído é a morte.

A Academia Nacional de Medicina inovou mais uma vez neste evento. Afinal, vida e morte são matéria prima de nosso trabalho como médicos, que, mesmo constantemente postos diante da iminência da morte, precisamos ser portadores de esperança.

Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

 

Revisão: Jáder Cavalcante

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