Notícias
Jogo educativo da UFMA transforma saberes sobre plantas em missão científica e cultural
Você nasceu no interior do Maranhão. Cresceu em uma comunidade onde farmácia era o quintal, e as receitas mais eficazes vinham dos mais velhos. Aprendeu que um chá pode aliviar a febre, que uma folha pode cicatrizar feridas, que a natureza cura, alimenta e ensina. Agora, já formado em Biologia, você sente que sua missão ainda não terminou. Algo o chama para além da sala de aula: mapear os saberes populares e explorar as infinitas possibilidades medicinais e alimentícias dos biomas brasileiros.
Esse é o enredo do Botânicartas, um jogo educativo criado pelo Laboratório de Estudos Ecológicos e Etnobiológicos (LECET), vinculado ao Centro de Ciências de Bacabal da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Resultado do desejo de inovação dos métodos de ensino, a iniciativa convida estudantes, educadores e o público em geral a embarcar em uma jornada lúdica que une ciência, tradição oral e valorização da biodiversidade nacional.
Com um modelo simples e atrativo já conhecido de jogos populares, Botânicartas funciona com cartas para 2 a 6 jogadores. Eles têm o desafio de se livrar das cartas em mãos, combinando características como o nome da planta ou o bioma ao qual ela pertence. Cada carta apresenta uma espécie vegetal com suas propriedades medicinais ou alimentícias, informações científicas e dados sobre sua origem (se é nativa, endêmica ou encontrada em diferentes partes do mundo). As rodadas são dinamizadas com cartas de ação, que mudam o rumo da partida e estimulam o raciocínio estratégico.
A equipe por trás da ideia
O jogo surgiu como um produto do projeto de extensão “Mais Ciência: Despertando a Curiosidade e o Interesse pela Ciência nos Jovens por Meio de Atividades Práticas e Lúdicas”, do curso de Ciência Naturais - Biologia, tendo a participação dos membros do LECET. Dessa forma, buscou-se abordar temas como biomas brasileiros, botânica, conhecimento tradicional e endemismo de forma acessível e atrativa para o público jovem. Foram priorizadas plantas medicinais e alimentícias não convencionais, emblemáticas de cada um dos biomas brasileiros.
Para torná-lo mais envolvente e atrativo, a equipe contou com a colaboração do professor Hawbertt Rocha Costa, coordenador do Laboratório de Pesquisa em Ensino Digital para Ciências (PEDIC), que agregou sua experiência em gamificação, aprimorando os elementos pedagógicos e visuais da proposta.
Segundo o professor André Borba, que fez parte da produção, a principal inspiração para o desenvolvimento foi justamente tornar o aprendizado da Botânica mais acessível e estimulante para os estudantes. “A inspiração para o Botânicartas veio da união entre experiências vividas no nosso laboratório, o interesse por métodos didáticos inovadores e o desejo de tornar o ensino de botânica e ecologia mais acessível e envolvente. Um dos pontos de partida foi o clássico jogo UNO, cuja mecânica simples e divertida serviu como base para estruturarmos uma dinâmica semelhante, mas com conteúdo educativo focado em plantas medicinais, alimentícias e biomas brasileiros. Um momento chave foi nossa participação na 21ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em 2024, cujo tema foi Biomas do Brasil: diversidade, saberes e tecnologias sociais”, explicou ele.

O jogo tem como público-alvo estudantes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, além de jovens em geral envolvidos em ações de educação ambiental. A proposta busca dialogar diretamente com esse público, utilizando recursos interativos para despertar o interesse pelo conhecimento científico e ampliar a consciência sobre as múltiplas funcionalidades das plantas, desde as fases iniciais da formação escolar.
“Alunos do ensino médio, ensino fundamental vão receber o conteúdo de forma mais lúdica e didática e também vão ter uma visão diferente do mundo à sua volta porque muitas das plantas presentes são do dia a dia, que passam imperceptíveis por eles, mas que, muitas vezes, possuem grandes funcionalidades”, destacou João Duvirgem da Silva, discente do 8º período do curso.
Quando a ciência valoriza os saberes tradicionais
Mais do que vencer, é preciso compartilhar o saber. Ao jogar uma carta, o participante deve ler em voz alta a descrição da planta e suas propriedades, um gesto simples que homenageia a tradição oral e reforça o papel do jogo como ferramenta de ensino e valorização cultural.
Botânicartas é, ao mesmo tempo, um material didático, um instrumento de pesquisa, um elo entre o saber científico e os conhecimentos populares que resistem nas comunidades brasileiras. O jogo nasceu no interior do Maranhão, no entanto suas raízes atravessam biomas, saberes e histórias, promovendo uma educação ambiental que respeita e valoriza a relação entre povo e planta, entre cultura e ecologia, entre tradição e ciência.
Para o professor André Borba, unindo os saberes tradicionais e científicos, fortalece-se o respeito com as comunidades e estimula-se o diálogo entre diferentes formas de conhecimento. “É fundamental a valorização dos saberes tradicionais para a promoção de uma ciência mais inclusiva. As populações tradicionais lidam com a biota e o ambiente há gerações, tendo um grande conhecimento empírico, fruto da sua experimentação com o meio ambiente e adaptação às mudanças sociais e ambientais da sua região, extremamente necessários para a sua sobrevivência naquele local. Estudos sobre o conhecimento tradicional nos permitem acessar essa experiência, que, usualmente, é passada por transmissão oral ao longo das gerações, permitindo-nos entender percepções ecológicas e sobre a utilidade da biota formada por anos de observação”, observou.

Ao transformar práticas culturais em recurso pedagógico, pesquisadores da universidade pública encontram caminhos para fazer com que o conhecimento tradicional não apenas sobreviva, mas ganhe novos significados dentro do ambiente acadêmico. Em vez de separar ciência e ancestralidade, iniciativas como o Botânicartas mostram que é possível construir uma linguagem comum, em que o saber que vem da experiência também orienta a formação científica.
“A UFMA é uma importante incentivadora dos projetos acadêmicos. Os professores são empenhados em lançar projetos vinculados ao ensino, à pesquisa e extensão e a incentivar que os alunos lancem projetos. Ainda mais que são cursos voltados para a educação, no caso da licenciatura. O laboratório do qual eu faço parte faz pesquisas e levantamentos nos povoados, bairros e comunidades quilombolas da cidade, sobre plantas medicinais alimentícias, sobre como cada um faz o uso dessas plantas, por exemplo”, pontuou João Duvirgem.
Futuro do projeto
O jogo passou por testes com os alunos do LECET e outros convidados da graduação para avaliar a mecânica, medir o engajamento, julgar o aprendizado e coletar feedbacks. Também foi apresentado no VI Encontro Nacional de Jogos e Atividades Lúdicas em Ensino de Química, Física e Biologia (Jalequim Level 6), ocorrido este mês.
Depois dos feedbacks positivos, ele ainda será aplicado nas atividades do projeto de extensão Mais Ciência. Os dados sobre a validação do jogo se transformarão no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do graduando João Duvirgem. Também se estuda a possibilidade da publicação em e-book com as regras e informações adicionais.
Mais informações podem ser encontradas na página do Instagram.
Por: Giovanna Carvalho
Produção: Sarah Dantas
Fotos: arquivo pessoal
Revisão: Jáder Cavalcante