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Identidade e dignidade: dez anos da conquista pelo uso do nome social na UFMA

publicado: 10/09/2025 15h29, última modificação: 10/09/2025 16h57
Identidade e dignidade: dez anos da conquista pelo uso do nome social na UFMA

Em busca da garantia da diversidade e inclusão, a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) celebra, nesta quarta-feira, 10, dez anos da Resolução n° 242-Consun, que garante a servidores e discentes o uso do nome social nos registros oficiais e acadêmicos da instituição.

A resolução foi regulamentada no ambiente universitário antes mesmo das principais normativas nacionais do Governo Federal, que implementou ações em abril de 2016, com o Decreto nº 8.727/2016, determinando o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais nas instâncias da administração pública federal - incluindo universidades, fortalecendo a visibilidade nos diferentes espaços sociais.

Além da resolução que garante o uso do nome social, em 2024, foi criada a Diretoria de Diversidade, Inclusão e Ação Afirmativa (DIDAAF), com a missão de elaborar e executar políticas de inclusão e diversidade na comunidade universitária. A iniciativa busca promover o exercício pleno da cidadania no ambiente acadêmico, valorizando discentes, docentes e técnicos de diferentes etnias, orientações sexuais, religiões e identidades de gênero.

Segundo o reitor da UFMA, Fernando Carvalho Silva, o marco de uma década da resolução representa uma medida de inclusão e a responsabilidade da instituição no respeito ao próximo. “Celebramos os dez anos da aprovação, pelo Conselho Universitário da UFMA, da Resolução que instituiu o uso do nome social na Universidade — uma iniciativa carregada de um grande significado. Trata-se de uma política de inclusão, respeito e demonstração de que a UFMA, como instituição que visa promover igualdade, reafirma seu compromisso com a dignidade da pessoa humana. Alinhada a essa iniciativa, em nossa gestão, criamos a Diretoria de Diversidade, Inclusão e Ação Afirmativa para fortalecer a promoção e expansão de políticas que garantam diversidade, inclusão e ações afirmativas para toda a comunidade acadêmica”, enfatiza o reitor.

O cenário desafiador e as inúmeras demandas acadêmicas não impediram a hoteleira e doutoranda em História da UFMA, Júlia Naomí - que, na época, era graduanda do curso de Hotelaria -, de reivindicar os seus direitos como cidadã brasileira e universitária. A partir da realidade de sempre ter que reforçar o direito de ser chamada pelo nome que identifica seu gênero e pelo constante questionamento sobre a temática da transexualidade, a estudante resolveu ir além das palavras e começar a agir de maneira mais precisa.

“Passei a elaborar panfletos sobre o tema, com foco no nome social e sua necessidade pelo respeito a uma identidade. Tais panfletos passaram a ser distribuídos por mim em eventos, não importava qual evento fosse: turismo, hotelaria, psicologia, direito, enfermagem, medicina e outros, não importava, o importante era a informação contida neles, e obtive apoio de vários amigos. Com isso, veio a necessidade de levar a discussão a uma instância que desse maior visibilidade, de maneira que pudesse viabilizar tal política pública. Dirige-me à Proen, que, de pronto, abraçou e acolheu a causa, ponto de partida para a formação da comissão que iria discutir a resolução e sua aplicação”, recorda a doutoranda.

Com o apoio e a participação de professores de diferentes centros acadêmicos, a comissão foi formada, desenvolvendo uma proposta para a resolução. A elaboração do projeto foi seguida da aprovação unânime do Conselho Universitário (Consun) e, finalmente, da aplicação na UFMA, sendo oficialmente declarada no dia 10 de setembro de 2015, há exatamente uma década.

A perspectiva de quem escreve a própria história

A Universidade garante ao discente o direito de ser chamado pelo seu nome social. Atualmente, o sistema da UFMA registra 614 solicitações de discentes para o uso dessa medida. O estudante do curso de Comunicação Social - Jornalismo Lucas Cássio Ferreira e a estudante do curso de Serviço Social e bolsista da Diretoria de Diversidade, Inclusão e Ações Afirmativas (DIDAAF), Luna Maria Marques, utilizam o nome social na instituição.

“A resolução é relevante porque dá aos alunos a oportunidade de integrarem suas identidades de gênero, sejam elas quais forem, à vida acadêmica. Desde o momento que é feita a solicitação do uso do nome social, é por ele que você será chamado nos registros cotidianos da Universidade. Listas de chamada e presença, certificados de horas em eventos, tratamento em sala de aula: tudo passa pela aplicação efetiva da resolução do nome social que hoje está em vigor na UFMA”, detalha Lucas Cássio Ferreira.

A luta pelo uso do nome social supera a oficialização em documentos acadêmicos, abrange o bem-estar psicológico, a garantia de direitos e a permanência estudantil, reduzindo a evasão no ensino superior. O apoio social e a aplicação de políticas públicas promovem e protegem a saúde mental de pessoas transexuais e travestis, que enfrentam desafios cotidianos de aceitação e de respeito. “O uso do nome social é um direito assegurado aos discentes e aos servidores, sendo regulamentado pela legislação e respeitado, fundamentalmente, nos âmbitos da Universidade. Reivindicar esse direito não apenas vai corroborar a permanência no ambiente acadêmico e profissional, como também servirá de amparo legal para o tratamento adequado da pessoa requerente”, completa o discente de Jornalismo.

O Brasil é considerado um dos países mais letais para pessoas travestis e transexuais, a problemática se conecta diretamente com fatores históricos, estruturais e sociais, sendo relacionado até mesmo com outros tipos de discriminações como o racismo e a pobreza, resultando em uma realidade complexa. Nesse sentido, Luna Maria Marques reflete sobre a aplicação de políticas públicas brasileiras que dispõem do uso do nome social. “Temos tido avanços sociais no processo de reconhecimento por dispositivos legais e institucionais à autodeterminação de gênero, porque gênero é uma categoria social, é um constructo, um resultado das significações sociais que se materializam a partir da existência das pessoas, de suas vivências, para garantir a dignidade humana das pessoas”, afirma.

Da luta à resistência

A Constituição Federal de 1988, assegura a inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade, proibindo qualquer maneira de discriminação. Embora o respeito seja um princípio universal, diversos desafios são enfrentados pela comunidade transexual e travesti. A transfobia (preconceito e discriminação em virtude da identidade de gênero, contra travestis e transexuais), prejudica a liberdade e a segurança nos espaços sociais, contradizendo o direito à vida.

“As pessoas trans são como qualquer outra pessoa e, nesse contexto, não cabe colocar uma como parâmetro para todas, assim como não cabe colocar uma pessoa cis como parâmetro para todas as pessoas cis. É triste pensar que uma mulher trans tenha acionado vários dispositivos por causa de estereótipos enraizados na sociedade que a excluem, segregam, impedindo-a de acessar espaços como a escola e, consequentemente, a universidade, destruindo seus sonhos e impedindo de ser feliz. Para as pessoas trans, deixo uma palavra: RESISTAM!”, declara Júlia Naomí.

A formação de uma sociedade mais justa começa com inclusão. E a inclusão de pessoas transexuais e travestis no ambiente universitário fomenta o reconhecimento e a valorização da diversidade no meio educacional, ampliando o debate acadêmico, a representatividade, a preparação para o mercado de trabalho, o combate à violência e o desenvolvimento da ciência, como pontua Luna Maria Marques. “Independentemente das barreiras que as pessoas tentam impor, a existência das pessoas trans não está sujeita à aprovação de terceiros. Estudamos, produzimos ciência e construímos conhecimento e queremos ser celebradas em vida, não nos cabe apenas o lugar do luto e da dor. Somos sementes e semeamos potência acadêmica”, ressalta.

Mais que uma passagem de tempo, são dez anos da resolução que promove o uso do nome social em registros oficiais e acadêmicos, representando a conquista de uma comunidade que batalha pela garantia dos seus direitos e pela visibilidade de sua identidade. A voz que ecoou há uma década pela aplicação de medidas em favor da dignidade, hoje ecoa pela continuidade de ações afirmativas que garantem os direitos e celebram a vida. Afinal, todos temos uma voz, e a única coisa de que precisamos é de espaço para que ela seja escutada.

Por: Aline Vitória

Produção: Sarah Dantas

Revisão: Jáder Cavalcante

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