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ENTREVISTA: Estudante de Teatro, escritor e quilombola Cadu Marques fala sobre o orgulho de sua origem e do seu livro, “A memória como tradição e as invenções de uma vida”, lançado na quinta-feira, 24

publicado: 25/03/2022 17h35, última modificação: 25/03/2022 19h11
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O escritor e estudante de Licenciatura em Teatro do Câmpus São Luís, Cadu Maques, lançou, na quinta-feira, 24, o livro “A memória como tradição e as invenções de uma vida”, onde registra, em forma de poemas, suas vivências, de sua família e do seu povo. O autor é quilombola do Centro dos Violas, localizado no município de Santa Rita, onde vive sua família. Mesmo morando em São Luís, Cadu Marques sempre visita seu lugar de origem, geralmente aos fins de semana. Sobre esse assunto e sobre a obra, o escritor concedeu uma entrevista à Diretoria de Comunicação (DCom) da Superintendência de Comunicação e Eventos (SCE) da UFMA, contando sobre o livro, suas inspirações e um pouco sobre sua família e história.

DCom: Cadu Marques, quando foi iniciado o processo de escrita da obra?

Cadu Marques: Meu processo de escrita dessa obra já vem ocorrendo desde 2018, sobretudo quando entro na Universidade e me reconheço, na condição de preto e quilombola, daí entendo esse encontro das minhas memórias, sobretudo as ancestrais, e me ponho a escrever a partir desse lugar.

DCom: Por que escolheu o poema como formato para a primeira obra?

CM: Quando conheci a escrita, esse foi o formato que mais me atravessou. Eu me identifico, tenho facilidade para criar versos. Eu seria péssimo com rap, mas às vezes consigo improvisar um poema na lata e com qualidade de conteúdo que até me surpreende porque, como é necessário agilidade com a rima, penso que poderiam vir palavras bobas e deixarem meu improviso sem sentido, mas não, às vezes saem versos que me encantam.

DCom: Desde quando quis escrever um livro que referenciam suas vivências? Por quê?

CM: Quando comecei a me reconhecer como preto e quilombola, entendi que minha memória era necessária, e que eu precisava deixá-la presente, viva, e a escrita foi um desses encontros que propuseram essa realização. Eu precisava falar de onde eu venho, do meu povo, da minha família, quem é o Cadu, e a escrita foi essencial para essas construções de entendimento. É um caminho sem volta, precisamos continuar abrindo portas pela vida, para que outros possam vir.

DCom: Quais os principais desafios em ser um escritor negro e quilombola?

CM: Primeiro é ter as oportunidades de acesso, de alcançar esses lugares e conseguir compartilhar o que produzimos, a nossa arte. Sabemos das problemáticas do racismo e como ele nos silencia. Então essas dificuldades um dia me fizeram acreditar que talvez não seria possível a publicação de um livro, mas a gente vai driblando essas questões, mostrando a nossa capacidade e conseguindo, sim, alcançar espaços. E, obviamente, para mim, existe a necessidade de trazer os nossos por esses caminhos, é uma forma de tentar quebrar esses desafios para os que ainda virão. Pode ser utópico, mas a gente tenta acreditar na evolução desta sociedade.

DCom: Você adota elementos linguísticos e culturais quilombolas na obra? De que maneira?

CM: A minha obra é composta por referências culturais do meu quilombo, sejam elas diretas ou indiretas, eu exponho situações cotidianas, como, por exemplo, a produção da farinha d’água, a rotina na casa de forno, o plantio na roça, os encontros em família e a forma como toda a minha ancestralidade me afeta e atravessa.

DCom: Quais são os elementos e pessoas que te inspiram na escrita?

CM: Eu geralmente falo sobre como a escrita da Conceição Evaristo me impacta, esse processo da escrevivência que ela nos traz me contempla e perpassa, então ela atualmente é uma das minhas principais referências e inspirações.

DCom: O que representa para você lançar esta obra?

CM: Esse lançamento do meu primeiro livro representa uma conquista muito simbólica e afetiva. É uma felicidade que não cabe em mim, é um feito que muito me emociona. Que é importante ser um jovem preto, quilombola e periférico, tendo voz nesta sociedade e levando suas vivências a partir destes espaços para o mundo.

DCom: O que representa para sua família esse lançamento?

CM: Na quarta-feira, recebi uma mensagem da minha tia Sula falando do seu orgulho, sobre ter um escritor na família Viola, que é a minha família, e que eu estava realizando o sonho de muitos quilombolas. Eu não tive palavras para narrar minha felicidade em ler essas mensagem. Não é só sobre mim, é sobre o meu povo, sobre minha tia Sula, minha mãe, Janete, minha família, meu quilombo, e isso junto é muito mais potente e único. Posso afirmar aqui que o lançamento dessa obra representa mais que uma conquista para os meus, é um feito, são as nossas vozes sendo ouvidas, e isso é grandioso.

DCom: Você pensa em escrever mais livros? Em que temáticas?

CM: Eu não quero parar na primeira obra, quero continuar meus processos de escrita e, ainda nesse encontro com a memória, há uma riqueza infinita quando se fala desse lugar. “A memória como tradição e as invenções de uma vida” é só um recorte desse encontro, tem muita coisa para vir, muitas memórias ainda precisam ser compartilhadas, e eu pretendo fazê-las se tornarem palpáveis novamente.

Por: Hemylly Mendes

Produção: Luciano Santos

Fotos: Kallebe Braga

Revisão: Jáder Cavalcante

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