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CELEBRAÇÃO JUNINA NO MARANHÃO

Do folclore maranhense a espécie de traíra: pesquisadores da UFMA descobrem nova espécie e batizam de Hoplias Cazumbá

publicado: 17/06/2025 09h28, última modificação: 17/06/2025 11h37
Do folclore maranhense a espécie marinha: Pesquisadores da UFMA descobrem nova espécie de traíra e batizam de Hoplias Cazumbá

Personagem místico e típico do bumba meu boi de sotaque da Baixada, o Cazumbá é uma figura sobrenatural marcante no São João do Maranhão, caracterizado por suas vestimentas largas e coloridas e por uma cabeça expressiva e ornamentada. Símbolo importante do folclore maranhense, o Cazumbá inspirou o nome de uma nova espécie de traíra descoberta por pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP): Hoplias cazumba, uma homenagem à cultura popular do estado.

O peixe encontrado faz parte do complexo de espécies Hoplias Malabaricus, descoberto no Rio Munim, na cidade de Chapadinha, Maranhão.  A espécie é pouco conhecida na região e tem características únicas como: 19 a 22 escamas ao redor do pedúnculo caudal; 40 a 42 escamas na linha lateral; 39 a 41 vértebras; 11 a 13 raios na nadadeira dorsal; e sempre 15 raios na nadadeira caudal.

Um dos pesquisadores da descoberta e professor da UFMA, João Marcelo Abreu, compartilha como foi o processo de descoberta da espécie. “Em 2010, durante o desenvolvimento da sua tese de doutorado, o professor Nivaldo Piorski indicou a possibilidade da existência de uma nova espécie de traíra no Maranhão, mas não tinha dados suficiente para confirmar essa hipótese. No Laboratório de Ecologia e Sistemática de Peixes, ligado ao Departamento de Biologia da UFMA, contamos com uma coleção científica e, recentemente, durante o processo de organização da coleção, observamos os exemplares dessa espécie e relembramos esse trabalho. Com isso, resolvemos analisar os peixes novamente, como parte do pós-doutorado que eu estava desenvolvendo na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Felizmente, conseguimos identificar as características que distinguiam Hoplias cazumba das espécies já existentes”, comentou.

A pesquisa possui uma importância imprescindível, visto que é complexo identificar e diferenciar a espécie descoberta, e o avanço desse estudo mostra a biodiversidade ainda presente em uma realidade de contínuas mudanças climáticas. Nesse contexto, o professor do Departamento de Biologia da UFMA Nivaldo Piorski reforça a essência e o impacto do trabalho realizado. “Embora pareça ser um feito notável, descrições de novas espécies são publicadas diariamente em revistas científicas, nos mais diferentes grupos de organismos. No entanto, em relação aos peixes, a grande maioria das descrições atuais ocorrem em grupos que possuem indivíduos pequenos ou crípticos (que se camuflam no ambiente), pois são mais difíceis de serem capturados e observados naturalmente. O gênero Hoplias, por outro lado, é composto por organismos de grande tamanho e facilmente capturado. Assim, a descrição de uma nova traíra para os rios do Maranhão indica que a ictiofauna da região ainda não é completamente conhecida”, argumentou.

Identificação da nova espécie

Os pesquisadores identificaram a nova espécie Hoplias cazumba por meio de uma análise detalhada do corpo dos peixes coletados na Bacia do Rio Munim, no Maranhão. Primeiro, os exemplares foram medidos com instrumentos de precisão, analisando, principalmente, o lado esquerdo do corpo. Essas medições incluíram o comprimento do corpo, da cabeça e de outras partes, sempre comparando essas proporções para garantir precisão. Além disso, os cientistas contaram quantidades importantes para a classificação da espécie, como o número de escamas, de vértebras e de raios das nadadeiras, usando lupa e até radiografias para observar estruturas internas.

Depois disso, todas essas características foram comparadas com outras espécies já conhecidas do mesmo grupo, tanto com base em exemplares guardados em museus científicos quanto em informações de estudos anteriores. Assim, com base nessas diferenças físicas e anatômicas, os pesquisadores conseguiram confirmar que se tratava de uma espécie nova, distinta das outras já descritas. Essa metodologia, bastante tradicional na ciência, é essencial para reconhecer novas espécies e ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade da região.

“Realizamos análises morfológicas e morfométricas nos exemplares coletados em nosso estado. O que consiste em realizar contagens e medições específicas, como, por exemplo, tamanho da cabeça, comprimento da nadadeira, número de raios da nadadeira. Em seguida, solicitamos empréstimos de exemplares de outras espécies do gênero depositadas em coleções científicas brasileiras e internacionais para podermos realizar as comparações. No caso das coleções brasileiras, os exemplares foram enviados para o nosso laboratório. Já com relação às coleções internacionais, os curadores nos enviaram fotos e raios-x, por e-mail”, detalha João Abreu. 

Parcerias Interinstitucionais

Diversos pesquisadores participaram da organização da pesquisa, como os professores do Departamento de Biologia, do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), João Marcelo Abreu e Nivaldo Piorski; o técnico do Laboratório do Departamento de Biologia (CCBS) Wellington Pedroza; a professora do Departamento de Biologia da UEMA Ligia Tchaicka; a professora do Departamento de Patologia da UEMA Solange de Araújo Melo; e o técnico Especializado de Nível Superior do Museu de Zoologia da USP Osvaldo Oyakawa. O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A colaboração entre diferentes instituições para o desenvolvimento de pesquisas é crucial e estratégico, visando ao enriquecimento com diferentes perspectivas, como o acesso a recursos, a expansão na divulgação científica, a troca de conhecimento entre especialistas e o incentivo na produção. O estudo da Hoplias cazumba é fruto da parceria entre pesquisadores de diferentes espaços acadêmicos.

Desse modo, a professora da UEMA Ligia Tchaicka, que auxiliou na discussão e na análise de dados do trabalho, ressalta a parceria formada. “A descoberta de uma nova espécie contribuiu para a compreensão da grande diversidade biológica de nosso estado, bem como direciona estratégias de conservação. A parceria entre instituições é imprescindível para avançar, tanto pela união de esforços e recursos como pela construção de conhecimentos de forma coletiva entre diferentes especialistas”, citou.

O pesquisador Osvaldo Oyakawa colaborou na revisão do texto do artigo e na confirmação da validade da nova espécie. Com mestrado e doutorado na área, o especialista enfatiza o diferencial do trabalho e o incentivo que pode promover para outros pesquisadores. “O diferencial da pesquisa foi a descoberta de uma nova espécie de traíra (gênero Hoplias, família Erythrinidae) na Região Nordeste do Brasil. A importância da parceria é mais do que óbvia, uma vez que é somente por meio de parcerias que vai haver uma troca de saberes e experiências em todas as áreas da Ciência e que vai também estimular o desenvolvimento de pesquisa nas mais variadas áreas do conhecimento. É importante ressaltar também que essas parcerias têm também a capacidade de estimular jovens pesquisadores a iniciar seus estudos na área da Taxonomia e Sistemática”, manifestou.

João Marcelo Abreu cita a relevância do incentivo das instituições e o acesso aos equipamentos que permitiram o progresso do estudo. “O apoio da Universidade é essencial para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. A estrutura fornecida pelas instituições envolvidas no estudo foi fundamental para a conclusão do trabalho, assim como o financiamento das agências de fomento. Contar com equipamentos, reagentes e infraestrutura disponíveis nas universidades, além do suporte técnico, foi decisivo para a execução de todas as etapas da pesquisa. Destaca-se ainda o papel fundamental das coleções científicas mantidas pelas universidades. A espécie descrita neste estudo foi baseada em material oriundo dessas coleções, que preservam exemplares de alto valor histórico e científico, sendo fontes indispensáveis para pesquisas taxonômicas. O acesso a esse acervo permitiu análises detalhadas e a validação da nova espécie, demonstrando a importância de sua conservação”, relatou.

A cada avanço científico, observamos a magnitude da ciência e da natureza. O artigo da Hoplias cazumba foi publicado no mês do São João e na Semana do Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho. O estudo relaciona dois pilares essenciais: a ciência e a cultura, homenageando a nossa tradição e fomentando a diversidade cultural e científica de nosso estado. “É tempo de Guarnicê” e dessa vez, reverenciando a tradição junina do Maranhão. 

Leia o artigo completo clicando nesse link. 

Por: Aline Vitória

Produção: Sarah Dantas

Fotos: arquivo pessoal  

Revisão: Jáder Cavalcante

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