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Do descarte à inovação: upcycling de pescado impulsiona sustentabilidade na alimentação
Upcycling é o processo de transformar materiais ou produtos usados, antigos ou descartados em novos itens de maior valor ou utilidade. Ao contrário da reciclagem, que geralmente envolve a quebra do material para criar algo novo a partir de componentes básicos, esse processo preserva o material original e o reinventa em um formato mais funcional.
Na categoria Jovem Cientista - Ciências Agrárias, a pesquisadora Luana Costa de Souza, formada em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no Câmpus de Imperatriz, foi uma das vencedoras do Prêmio Fapema 2024. Seu trabalho, intitulado “Upcycling de pescado face à economia alimentar circular na produção de farinha”, propôs o desenvolvimento de um produto sustentável, contribuindo para o avanço das discussões sobre reaproveitamento de resíduos na indústria alimentícia.
Upcycling na economia alimentar
O upcycling na engenharia de alimentos refere-se ao processo de reutilizar resíduos da indústria alimentícia para criar novos produtos com maior valor agregado, em vez de descartá-los. Essa prática tem ganhado relevância nas últimas décadas, pois oferece uma alternativa sustentável e inovadora para a redução do desperdício.
Para a economia alimentar, um campo de estudo que se concentra na análise das atividades econômicas relacionadas à produção, distribuição e consumo de alimentos, além de contribuir para a sustentabilidade, essa prática permite uma utilização mais eficiente dos recursos, criando uma economia circular dentro da indústria.
No caso do estudo de Luana Costa, o objetivo principal foi encontrar maneiras de fazer o melhor aproveitamento dos resíduos do filé de tilápia, que possui um alto valor nutricional. O trabalho seguiu a linha de um grupo de pesquisa parceiro, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que já trabalhava com produtos com peixe.

A orientadora de Luana, a professora do curso de Engenharia de Alimentos Tatiana de Oliveira Lemos, descreveu o foco da investigação, destacando a importância do reaproveitamento de subprodutos.
“Nossa proposta é algo na confeitaria com peixe. A gente também não tinha o ingrediente, que é a farinha de peixe. A que é produzida aqui no Brasil, é direcionada para a ração animal, porque ela tem um potencial alto, um valor nutricional bom, e, como é um subproduto dos entrepostos de peixe, ele acaba sendo direcionado a um mercado, para a ração animal, que não é o caso da nossa. O objetivo da pesquisa da Luana é produzir farinha de peixe para a dieta humana”.
“De acordo com as nossas análises, a gente percebeu também que ela é uma farinha que é segura de forma alimentar que as pessoas podem consumi-la, e ela tanto ajuda nas características sensoriais do produto, porque dá mais ajuda na sua incorporação, ajuda na textura, como também enriquece produtos que já existem”, complementou Luana.
Experimentações e resultados
Um dos desafios mais complexos enfrentados no desenvolvimento da pesquisa foi reduzir o odor característico do peixe na farinha criada. Para superar essa questão, foi necessário recorrer a diferentes metodologias já testadas na área, adaptando-as.
“Então a nossa principal barreira foi atenuar o odor de peixe. A gente se baseou na metodologia dos outros pesquisadores, nós fomos uma coxa de retalhos, pegando experiências de um e de outro para criar o nosso próprio protocolo e ter a farinha final”, explica Tatiana.
Para garantir que o odor não fosse perceptível, foram realizados testes sensoriais com participantes que não sabiam previamente qual era o produto avaliado. O resultado foi bastante positivo, alinhado aos objetivos já traçados.
“Nós fizemos um teste de odor para as pessoas sentirem. Nós não falamos para elas o tipo de produto que estavam avaliando, elas só foram analisando o cheiro. E foi muito interessante, porque elas deram respostas muito daquilo que a gente queria ouvir.”, pontuou Luana

Além desse resultado, elas tiveram uma descoberta inesperada durante o processo: mais do que ser uma fonte significativa de proteína, a farinha também apresentou um alto teor de cálcio, o que agregou ainda mais valor ao produto.
“A nossa proposta inicial era proteína, já que ela tem um teor proteico bem considerável. No entanto acabamos descobrindo que ela pode ser considerada um alimento fonte de cálcio, o que a gente não esperava. Tivemos essa grata surpresa, pois, se fôssemos comercializá-la, poderíamos fazer isso com a alegação de fonte de cálcio. Isso é muito importante”, destacou a pesquisadora.
Os experimentos comprovaram que a farinha desenvolvida tem potencial para aplicação na alimentação humana, oferecendo uma alternativa nutritiva e sustentável dentro do conceito apresentado.
A importância do produto
A pesquisa desenvolvida reforça a importância da redução de desperdícios e do aproveitamento máximo dos alimentos dentro de uma lógica sustentável e inovadora. Segundo a orientadora, essa abordagem já é uma tendência consolidada no setor alimentício e está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
“Há uma tendência de aproveitamento, tanto pelo cumprimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável, que é um dos ODS, quanto como uma das tendências do mercado de alimentos: uma produção mais limpa, tentando reduzir o desperdício e, consequentemente, aproveitar mais os alimentos”.
Luana Costa destaca que o reaproveitamento de resíduos alimentares pode transformar a percepção sobre o que é descartado, conferindo um novo valor para eles.
“O que seria considerado lixo não é lixo, é um resíduo, e são matérias-primas potenciais para fazer outros tipos de alimentos e enriquecer alimentos já existentes. Acredito que o impacto seja social e sustentável, porque ele pega aquilo que seria descartado e é reinserido na economia, fazendo com que ele volte ao ciclo da economia de forma produtiva”.
O prêmio
O reconhecimento do trabalho veio com a premiação no FAPEMA 2024, um dos mais importantes prêmios de incentivo à ciência e tecnologia no estado. A conquista valoriza o trabalho realizado e destaca a relevância da pesquisa para suas respectivas áreas.
“Eu acho importante a premiação porque é uma forma de reconhecer e incentivar as pesquisas que são realizadas aqui no estado para dar visibilidade”, refletiu a orientadora
Além do impacto acadêmico, a premiação reforça a necessidade de conexão entre a pesquisa científica e a sociedade, permitindo que os resultados obtidos nos laboratórios possam ser aplicados de forma prática e benéfica para a população.
“A gente sempre tem o intuito de criar algo que vá ajudar a sociedade, que vá melhorar alguma coisa ou criar algo do zero. É levar para as pessoas aquilo que a gente produz dentro dos laboratórios. E a gente ter colaboradores e empresas, órgãos que nos apoiem faz um diferencial”, afirmou Luana Costa.
A conquista do prêmio evidencia o potencial transformador da ciência e reforça a importância de investimentos e incentivos para o desenvolvimento científico no Maranhão. O reconhecimento contribui para ampliar o debate sobre a sustentabilidade na indústria alimentícia e a aplicação de soluções inovadoras.
Por: Giovanna Carvalho
Revisão: Jáder Cavalcante