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Discurso de posse na Academia Brasileira de Médicos Escritores
Excelentíssimo Senhor Acadêmico e Presidente da Academia Brasileira de Médicos Escritores – ABRAMES, Dr. Leslie de Albuquerque Aloan; Sra. Acadêmica e vice-Presidente da ABRAMES, Dra. Juçara R.V. Valverde.
Senhoras e senhores acadêmicos,
Quis a boa mão do destino que, quase no apagar das luzes deste segundo ano pandêmico, eu pudesse compartilhar da sabedoria dessa Instituição, e, senão quando, eis-me a adentrar nesse augusto sodalício, em 27 de novembro de 2021, templo onde se congregam diversos expoentes do saber médico e literário.
Não venho só: trago na retina a visão do revoar dos guarás que envermelham o firmamento e contrastam com as areias brancas da minha amada Cururupu, no Maranhão, terra natal onde os dias correm mais lentos e onde se aninha uma série de lendas que embalam o coração daquela gente enternecida pela poesia do mar, de onde parti debaixo do olhar amoroso de minha mãe e do coração forte de meu pai, estes que já não habitam este planeta.
Também venho escudado pelos mirantes, pelas ladeiras silentes e pelas escadarias, que cedo ensinam a arte da humildade, porque com elas aprendemos os significados de subir e descer, porque, conforme disse o filósofo Nietzsche, em sua metafísica: O caminho que sobe e o caminho que desce são um único e o mesmo caminho.Assim, estivemos sempre atentos para os aclives e declives, por onde um dia subiram e desceram angústias e comemorações de êxitos, jamais ignorando os crepúsculos que emolduram nossos finais de tarde em São Luís, cidade que me abraçou e me permitiu realizar o sonho da senda hipocrática, onde assumi como guia a Nefrologia, ramo do saber médico que me permitiu realizações que jamais imaginei conquistar, a exemplo do feito de trazer para nossa Ilha o primeiro rim artificial, nos idos de 1978, depois de galgar degraus mais elevados em terras paulistas e cariocas, onde fiz residência, mestrado e doutorado.
Invoco a fala de Mia Couto: à ternura pouco me vou acostumando, enquanto me adio.
Discípulo das minhas responsabilidades, tratei de construir uma sólida carreira como professor, pesquisador e gestor público para só então ascender à paixão pela arte e pela literatura que sempre cultivei, mas que, por causa dos deveres da carreira que abracei, até então não me haviam permitido a atenção necessária. Os cuidados com a família e os afazeres do cotidiano às vezes são implacáveis: é preciso e necessário às vezes ignorar a paisagem para não tropeçar no caminho.
Assim, após a insistência de amigos que já haviam transposto essa barreira, passei a aceitar o convite de uma série de academias médicas, literárias, científicas, bem como de institutos dedicados ao saber geográfico e artístico. Pude então conferir de perto quanto o sacerdócio que ainda bem jovem tinha abraçado tem a ver com a arte que faz das palavras, em crônica, poema e prosa, o alívio de males e lenitivo de dores. O escritor, como o médico, faz da cinza das horas seu barro e com a sensibilidade que o distingue de seus semelhantes, fazem emergir de uma veia anímica novos começos.
Senhoras e senhores,
Hoje sou mosaico de sentimentos e de gratidão. É com reverência que ingresso nesta casa. Aqui tenho amigos e conterrâneos, a exemplo de Archimedes Vale, Michel Florêncio e Eliane Morais Araújo, que comigo comungam da alegria de conviver na SOBRAMES, na qual somos confrades, nas pessoas de quem saúdo os demais companheiros.
Saúdo também a memória daqueles que um dia me antecederam neste cenáculo, a iniciar com a história de um homem cuja vida se confunde com a história do Brasil. Suas iniciais viraram referência para modernidade e eficiência. Seu nome, Juscelino Kubitschek de Oliveira, patrono da cadeira número 17. Urologista e cirurgião apaixonado, a Medicina não pôde contê-lo. O chamado para a política se sobrepôs, embora a paixão pela trajetória asclepiana tenha sempre sido exaltada em suas falas, a qual considerava a maior de todas as profissões.
JK, num de seus discursos proferidos na obra mencionada, parafraseia o médico como uma figura conhecida da Bíblia: “Somos cirineus – não – vós sois cirineus que ajudais a criatura de Deus a carregar a sua cruz até o fim, amparando-a, tranquilizando-a, revigorando-a, minorando-lhe padecimentos físicos que repercutem na própria alma, pensando-lhe feridas, ajudando-a a nascer e a morrer. Exerceis – meus colegas – a mais bela, a mais sagrada das profissões”.
Escritor diletante, deixou diversos livros, artigos e crônicas, tendo ocupado a cadeira de número 34 na Academia Mineira de Letras e galgado da União Brasileira de Escritores o título de Intelectual do Ano de 1975, o que lhe rendeu o troféu Juca Pato. Diversas foram as homenagens recebidas como recompensa de sua devoção às letras. Um estadista visionário é o epíteto que me ocorre no momento e tenho certeza que o futuro há de lhe revelar novas e merecidas nuances, para que o tempo lhe faça justiça.
Também trago a lume o nome do fundador desta cadeira, o pernambucano Humberto da Silva Gueiros, médico cuja trajetória esteve dedicada essencialmente à ginecologia e à obstetrícia, áreas as quais dedicou especial atenção por meio de uma série de bem sucedidas ações e trabalhos publicados. Era também servo devotado da literatura, tendo participado de concursos de poesia, galgado destaque por meio de troféus entregues por associações ligadas à imprensa e publicado diversas obras médicas e poéticas.
As coisas sem importância são bens de poesia, atesta Manoel de Barros. Creio que Gueiros foi além: aproveitou de sua lavra diária de excelência para traduzir em versos. Fez do cotidiano cenário para ultrapassar a mera existência. Como lembra a Helena Kolody, pintou estrelas no muro e teve o céu ao alcance das mãos.
Outro nome que merece ser lembrado também é o de Edson Farias, meu antecessor imediato, um carioca que transitou entre a Cardiologia e aAnestesiologia a que dedicou parte de sua vida, voltada para a pesquisa médica, tendo participado de diversos cursos de aprimoramento, congressos, jornadas, palestras, conferências e bancas examinadoras. Seu nome consta da titulação de pesquisas relevantes, alvo de homenagens porinstituições de renome.
Recorro novamente a Manoel de Barros: o que resta de grandezas para nós são os desconheceres. Edson Farias reuniu suas impressões desse caminho (díade?) na sua obra Vida vivida – lembranças de um médico, publicação onde narra a rica aventura de tantas paixões.
Senhoras e senhores,
A humanidade, ao atravessar uma das mais duras provações dos últimos tempos, precisa de homens e mulheres que consigam avançar por Cila e Caribde sem deixar seus restos antes de atracar em Ìtaca. Somos os modernos Prometeus a afagar a escuridão dos homens com o fogo do conhecimento. Estou aqui com o coração prenhe de esperanças para assomar neste agora na tremenda responsabilidade que vós congregais neste lugar.
Grato a todas e a todos que em mim enxergaram a vocação do discipulado que esta casa bafeja. Espero estar à altura da conjunção de possibilidades fantásticas que este sodalício valoriza, nesta nau de esperança, trazendo um coração venturoso, apaixonado por minha terra, por minha vocação, por meus familiares e amigos. Recebei-me como um dos vossos comensais neste banquete da sabedoria!
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.
Revisão: Jáder Cavalcante