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Conflitos sociais e antropologia literária são temáticas abordadas em pesquisa desenvolvida por docente da UFMA

publicado: 11/08/2025 14h46, última modificação: 11/08/2025 15h32
Conflitos sociais e antropologia literária são temáticas abordadas em pesquisa desenvolvida por docente da UFMA

Poder, justiça e experiência humana, por meio da ficção de Franz Kafka, são aspectos relacionados no estudo “Kafka e a ficção no Direito: uma abordagem sob o ponto de vista da resolução dos conflitos sociais e da antropologia literária”, elaborado pelo docente do curso de Direito Artur Rocha, do Centro de Ciências de Imperatriz (CCIM), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O livro é fruto do doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

A obra proporciona a reflexão de como o universo kafkiano pode auxiliar na compreensão aprimorada da natureza do Direito, na resolução de conflitos e no papel da literatura no entendimento da sociedade.

“Eu já tinha esse projeto de trabalhar Kafka e Direito há muito tempo. Já tinha inscrito o projeto num programa de doutorado que tinha sido aprovado também. Isso muito tempo atrás, e acabou que não fui selecionado. Então, meio que abandonei a ideia. O Direito é um pouco refratário a você discutir certos temas. Sempre entendi que era importante analisar, sob o ponto de vista jurídico, as obras de Kafka. Coincidentemente, tive, como orientador, um professor alemão, Johannes Kretschmer. Em uma conversa, ele falou ‘olha, vamos levar à frente isso aí’. Ele me apresentou livros que foram fundamentais para o meu trabalho”, ressaltou Artur Rocha.

As produções: “Teoria da Ficção” de Hans Vaihinger, e “O Fictício e o Imaginário”, de Wolfgang Iser, são as principais contribuições para o trabalho realizado. O objetivo de Artur Rocha é unir Kafka com o Direito, sendo uma poderosa iniciativa para questionar a estrutura do Direito formal.

“Juntei essa visão do Vaihinger, que é a Teoria da Ficção, dentro da obra de Kafka. Por mais que o estudemos, não vamos entendê-lo. Enquanto houver Direito, administração de justiça, a obra de Kafka será atemporal, é atual agora como será daqui a cem anos. Olha que já tem cem anos do falecimento do Kafka, morreu em 1824, fez cem anos no ano passado, foi quando lancei meu livro”, compartilhou o autor.

As três obras principais de Kafka utilizadas no livro foram: “O processo”, “Diante da Lei” e “Colônia penal”. O pesquisador ainda recebeu indicações de livros essenciais que enriqueceram o seu trabalho: “Assim na terra como embaixo da terra”, de Ana Paula Maia, e “Kafka e a boneca viajante”, de Jordi Sierra i Fabra, ambos indicados por alunas do docente, além do estudo da obra produzida por Walter Benjamin: “KAFKA”.

“Esse livro foi a melhor coisa que descobri sobre a vida de Walter Benjamin, é muito importante, porque a maneira como analisa Kafka é fantástica e dá um vaticínio. Ele diz que, enquanto alguns autores escrevem para alguns tempos, Kafka escreve para eras. Então, a obra de Kafka nunca vai deixar de ter sua importância e a sua atualidade, mesmo sendo um livro escrito há tanto tempo”, afirmou o estudioso.

Seguindo as linhas de Kafka, Artur Rocha vai além do sistema judicial e aprofunda na maneira como a sociedade lida com os conflitos, citando os fatos relevantes da Primeira Guerra Mundial e da Segunda Guerra Mundial.

“Falo da tese de Einstein, dos trabalhos de Picasso, e também de um autor que me marcou, e deve ter marcado muitos brasileiros, chamado J. R. R. Tolkien, que é um filólogo, um linguista, que vai para a Primeira Guerra Mundial. Retrato um pedaço, ele contando a história dele, porque eu quis dizer como as pessoas lidavam com aquela questão da guerra”, explicou o autor. Na ‘Teoria da ficção’, de Hans Vaihinger, que eu falo no primeiro momento, eles criam a figura do ‘como se’. Busco em outros autores, até no campo da psicologia social, busco como é que as pessoas lidavam com aquela situação, já que pessoas estavam morrendo. Mostro como aquilo foi importante para a questão da emancipação de muitas mulheres, que tiveram que ocupar os postos de trabalho, já que muitos jovens, muitos homens haviam morrido”, detalhou o pesquisador.

Outro ponto tratado no trabalho é o “sistema multiportas”, uma nova abordagem para a resolução de conflitos, possibilitando a ampliação do acesso à justiça, eficiência e agilidade, entre outros benefícios.

“Quando você tem um julgamento, não um julgamento, mas as soluções sendo dadas por várias formas que não sejam para os juízes togados, estamos usando o sistema multiporta, existem vários no nosso país. O Brasil tem um sistema multiporta que tem a mediação, a conciliação, são várias formas, os conselhos tutelares fazem esse papel também. Tem várias instâncias que não são compostas por pessoas do judiciário, desafogando um pouco o judiciário diante da imensa demanda da sociedade brasileira”, salientou o estudioso.   

Sendo influenciado pela realidade da UFMA e pelo estimulo dos alunos, Artur Rocha apresentou o trabalho em meio à pandemia de covid-19, na UFF. A proposta ensina a importância de incentivar outras formas de solução de conflitos e transmite a importância da literatura na discussão de temáticas sociais. O autor ainda afirma a essência em procurar e estudar outras personalidades.

“Seria interessante não só discutir Kafka. Existem outros autores que se mencionam também na obra, como, por exemplo, Shakespeare, com o Mercador de Veneza, em que discute a questão social — a perseguição aos judeus —, mas discute também a questão jurídica, do que é importante numa disputa entre partes. Acredito que tem muita coisa para se discutir, mas o principal valor disso é como a literatura pode ser uma ferramenta para nos levar para a mobilidade social e para a gente desenvolver espírito crítico”, refletiu o pesquisador.

Artur Rocha produziu um trabalho interdisciplinar, reunindo: filosofia, direito, literatura e antropologia literária, evidenciando diferentes frentes para retratar problemáticas sociais. Além de reforçar a atuação da literatura como ferramenta crítica que auxilia na visão e no diálogo da experiência humana nas complexidades da sociedade que habitamos. Afinal, as obras, por mais antigas que sejam, nos mostram a atemporalidade e a necessidade de seu fundamento.

Para acessar a obra “Kafka e a ficção no Direito: uma abordagem sob o ponto de vista da resolução dos conflitos sociais e da antropologia literária”, clique aqui.

 

Por: Aline Vitória

Fotos: arquivo pessoal

Revisão: Jáder Cavalcante

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