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“Eu sou cria daqui”: egressa da UFMA, Gê Viana conquista espaço na Bienal de Artes de São Paulo
“Eu sou cria daqui”, declara a artista Gê Viana ao voltar à Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde se formou em Artes Visuais. A frase, carregada de pertencimento, resume a trajetória de quem saiu das salas de aula da UFMA para conquistar um dos palcos mais prestigiados da arte contemporânea: a Bienal de Artes de São Paulo. Agora, reconhecida nacional e internacionalmente, Gê retornou ao câmpus para compartilhar sua experiência com estudantes e professores, transformando sua história em inspiração coletiva.
Nascida em Santa Luzia e, atualmente, vivendo em São Luís, a artista ocupa lugar de destaque na 36ª edição da Bienal de Artes de São Paulo com a instalação ‘A colheita de Dan’, uma obra que entrelaça ancestralidade, espiritualidade e narrativas míticas do território maranhense. Em sua fala, ela refletiu sobre o peso simbólico desse momento e o quanto sua presença também escancara a ausência histórica de mulheres maranhenses, negras e indígenas em espaços de grande visibilidade.
“Eu não tenho certeza se de fato sou a primeira mulher maranhense a participar da Bienal de Artes, porque não pesquisei a fundo. Mas, pelo que sei, não há registros de uma mulher com identidade negra e indígena, como eu, que tenha ocupado esse espaço. Acredito que isso revela um aspecto triste: o Maranhão já poderia ter tido outras artistas nesse lugar, com trabalhos voltados para essas questões. Já tivemos registros de homens, mas mulheres, especialmente negras e indígenas, não”, afirmou.

Para Gê, essa conquista ultrapassa a esfera pessoal. O reconhecimento, segundo ela, é também uma oportunidade de abrir caminhos para outras mulheres artistas que virão. “Entendo, no entanto, que ocupar esse espaço abre caminho para outras artistas mais jovens acessarem esses lugares. Isso também evidencia a falta de gestão cultural no Maranhão. Hoje, não temos um grande museu em funcionamento, nem um Instituto de Arte Contemporânea, tampouco um calendário consistente de festivais que problematizem a imagem. Esse título que me foi dado – de primeira mulher maranhense – deveria ter sido ocupado muito antes por outras, o que mostra uma lacuna histórica que ainda precisamos enfrentar”, alega.
A instalação "A colheita de Dan"
A obra apresentada na Bienal conecta diferentes dimensões da cultura afro-maranhense e das mitologias locais. Inspirada na memória de mulheres que construíram práticas religiosas fundamentais no Maranhão, como Agontimé, responsável por trazer os fundamentos da Casa de Minas, a instalação também evoca narrativas míticas que marcam o imaginário de São Luís.
“Esse trabalho se conecta com uma memória ancestral. Ele remete às mulheres que, há séculos, povoaram e fundamentaram práticas religiosas afro-maranhenses, como Agontimé, responsável por trazer os fundamentos da Casa das Minas. A obra também dialoga com narrativas míticas do território, como a da grande serpente que vive sob São Luís e que, se tocar a cabeça no rabo, afundaria a ilha”, revela Gê.

O título remete ao vodum Dan, figura associada à transmutação e ao renascimento. Para a artista, essa escolha simboliza tanto espiritualidade quanto resistência. “O nome Dan se relaciona com esse vodum, ser da transmutação e do renascimento, presente em São Luís, Belém e no reino de Daomé. Essa escolha representa transformação, alerta e também conexão espiritual. E, quando falo em colheita, não me refiro apenas à agricultura, mas ao legado de lutas, resistências e espiritualidades que nossos ancestrais nos deixaram. É uma colheita que envolve fé, mistério e a capacidade de nos conectarmos com o sagrado. Não é ficção, mas algo que de fato existe no nosso território”, explica.
O retorno à universidade
Durante sua participação em um evento no câmpus, Gê compartilhou com os estudantes não apenas sua trajetória, mas também a importância da universidade em sua formação e o valor de construir coletivamente o futuro da arte maranhense. “Fico muito feliz em voltar à universidade, dar uma palestra para quem está começando um curso que eu mesma já fiz e reencontrar meus professores. Esse convite foi especial porque eu sou cria desse lugar. Minha vida acadêmica começou aqui, e estar de volta significa também alimentar novas mentes, compartilhar processos e mostrar que a nossa pesquisa pode alcançar lugares que, muitas vezes, nem imaginamos. Interagir com os estudantes e com os professores foi fundamental. É uma troca que fortalece a todos nós”, destacou.

Para a coordenadora do curso de Artes Visuais, professora Elisene Matos, o momento foi de orgulho e reconhecimento da potência criativa que nasce no Maranhão. “Ver Gê Viana, uma ex-aluna do curso de Artes Visuais da UFMA, expondo na Bienal de São Paulo é um momento de imensa alegria e orgulho. Para mim, como professora, isso transcende o simples reconhecimento de uma artista. É a confirmação de que o trabalho que realizamos na universidade, mesmo com todos os desafios, tem um impacto real e significativo”, afirmou.
Elisene também ressaltou o quanto a trajetória da artista inspira a comunidade acadêmica. “A trajetória de Gê Viana é, sem dúvida, uma poderosa fonte de inspiração para os atuais e futuros alunos do curso. Ela mostra que a arte não precisa estar restrita às galerias e museus. Gê trabalha com fotografia, vídeo e performance, explorando temas urgentes como o extrativismo, a questão quilombola e as tensões ambientais. Sua obra nos ensina que a arte pode ser uma ferramenta de reflexão e transformação social. Ver Gê na Bienal é um lembrete de que o nosso lugar de fala e as nossas vivências são valiosas e podem gerar arte que ecoa em todo o mundo. E é isso que eu espero que os meus alunos levem como maior lição”, declarou.
Com raízes fincadas no Maranhão e alcance internacional, Gê Viana segue reafirmando que é possível transformar memórias, espiritualidades e identidades em arte viva, crítica e inspiradora. E, como ela mesma fez questão de lembrar, tudo isso sem esquecer de onde veio: "Eu sou cria daqui".
Por: Geovanna Selma
Fotos: reprodução Instagram