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Um viva às cientistas
Lembramos, na última segunda-feira, a efeméride do Dia Internacional da Mulher, que aponta não só para a comemoração dos direitos por elas já conquistados, mas também para o alerta de que muito ainda falta a ser alcançado, especialmente no quesito igualdade de direitos, reconhecimento e liberdade.
A despeito disso, ao longo de minha carreira de médico, tive a grata surpresa de testemunhar um expressivo aumento do número de mulheres nas áreas de saúde e educação, a transitar no âmbito de pesquisa e tecnologia. E o mais importante: a participação feminina foi saindo, gradativamente, do patamar de apenas um contingente que era expressivo, a cada ano na formação universitária, para o protagonismo nas áreas que mencionei. De início, invoco as memórias de Nise da Silveira, Elisa Frota-Pessoa, Bertha Lutz, como representantes da presença efetiva feminina no âmbito da ciência brasileira, pois me falta espaço para mencionar muitas outras, em especial as maranhenses.
Essa lista é expressiva porque, em cada área e momento histórico, estas mulheres tinham que ser excepcionais para serem aceitas, ao ponto de se tornarem visíveis num mundo completamente masculino. E mais que geniais, elas tinham que provar a competência na área do conhecimento científico e, mesmo assim, nem sempre foram reconhecidas. Um caso até hoje controverso é o de Mileva Maric, primeira esposa de Albert Einstein, com quem teve três filhos. Ela era uma matemática genial e deu importantíssima contribuição às primeiras publicações do maior gênio da física, que revolucionou nossa compreensão sobre o universo. Mas foi pouco reconhecida, embora haja evidências nas cartas, que trocaram, do quanto, por sua habilidade em matemática, Mileva poderia ser coautora de algumas das ideias de Einstein.
Outra restituição de reconhecimento: na década de 1950, Rosalind Franklin, cientista inglesa, que trabalhou com a pesquisa do DNA, realizou o avanço que deu a maior contribuição para a descoberta da dupla hélice. A famosa foto 51, tirada por Franklin, foi a comprovação e a sustentação que corroboraram, definitivamente, o trabalho realizado por dois outros pesquisadores de Cambridge, James Watson e Francis Crick, que acabaram recebendo o Nobel pela descoberta, quatro anos depois da morte de Franklin, com apenas 37 anos de idade.
Importante detalhe: apesar de os dois pesquisadores terem feito um excelente trabalho, e até terem publicado artigos sobre o assunto, eles usaram dados e a foto de Franklin sem sua permissão expressa. Ela não recebeu o crédito formal pela descoberta, apenas o reconhecimento verbal por Crick, após a morte desta, de que sua contribuição havia sido crítica.
Compartilho estes dois exemplos, mostrando que a história fez o reconhecimento destas mulheres. Isso só foi possível porque mudamos como sociedade e podemos admitir que estas incríveis mulheres não receberam a honra devida. Com estas duas histórias, seus desencontros e desfechos injustos, podemos, ainda assim, celebrar, porque cada uma dessas mulheres pode ser olhada nessa perspectiva. Assim, a elas podem ser atribuídos pioneirismo e habilidades que lhes permitiram e a muitas outras nos fazer avançar na ciência, em suas áreas de conhecimento.
Esta crônica dá voz à necessidade de combatermos quaisquer resquícios de sexismo e sectarismo ou qualquer forma de exclusão. Lembrar seus nomes, além de fazer justiça, é uma forma de homenagear a cada mulher que, lidando com todos os papeis que lhe são atribuídos, fazem ciência de primeira linha.
Dados da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) dão conta de que menos de 30% dos pesquisadores em todo o mundo são mulheres, embora a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) tenha aprovado o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, como forma de estimulá-las a galgar essas posições.
Em nosso país, o IPEA divulgou, nesta semana, que as mulheres cientistas representam apenas 14% de componentes da Academia Brasileira de Ciências. Algumas iniciativas visam a combater essa disfunção. Cabe destacar a aprovação, nesta última semana, no Senado, do Projeto de Lei de número 398/2018, que “torna política de Estado o incentivo à participação da mulher nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática”.
Comemorar os feitos alcançados, sem perder a perspectiva da continuidade da luta, eis o equilíbrio delicado a ser mantido, com a esperança de que um dia a exclusão e o preconceito sejam apenas escuras notas de rodapé nas páginas da história.
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.
Publicado em 13/03/2021, em O Estado do MA