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Um olhar para os vulneráveis

publicado: 14/03/2023 10h41, última modificação: 14/03/2023 19h52
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“Trate sua doença como uma amiga. Mais precisamente: como uma mestra que pode torná-lo mais sábio”, aconselha Rubem Alves, de forma poética, ao descrever doenças crônicas. A recomendação se encaixa perfeitamente à última quinta-feira, 9 de março, data em que mundialmente se comemora o Dia do Rim. Em terras brasileiras, a campanha de prevenção e educação de saúde nessa área é executada pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, como forma de chamar a atenção para a importância desse órgão e seu papel fundamental no equilíbrio da saúde e também para o público que mais padece de dificuldades no acesso ao tratamento.

Este ano, o Dia Mundial do Rim tem como tema “Cuidar dos vulneráveis!”. Em 2013, estimava-se que, no Brasil, aproximadamente dez milhões de pessoas estivessem nessa condição. Passados dez anos, o número dobrou de forma assustadora e alcança o total de vinte milhões. Doenças renais, em geral, são ditas silenciosas, ou seja, nem sempre apresentam sintomas. Quando aparecem, o estágio da disfunção renal já é considerado crônico, necessitando de terapias que substituem o trabalho que normalmente o rim faz sozinho.

Também em comparação entre dez anos passados e hoje, o número de cem mil pessoas que estavam realizando hemodiálise passou para 150 mil que se submetem a esse caro tratamento da doença renal crônica, sendo a maioria delas por meio do sistema de saúde pública a um custo altíssimo. Vejam o cenário: enquanto, por um lado, mais pessoas se encontram necessitando desse tipo de intervenção, por outro, o orçamento público torna-se cada vez mais limitado para fazer frente a essa e outras diversas demandas. A conta não fecha. Resultado: aumenta o número de pessoas aguardando vagas nas clínicas de hemodiálise, e intensifica-se a corrida acelerada para salvar vidas.

O Sistema Único de Saúde, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, tem diversas diretrizes voltadas para o atendimento da população em níveis de complexidade e tem princípios norteadores para que esse atendimento se dê de forma universal e integral, abarcando os mais diversos estágios da vida com doenças que podem acometer o ser humano. Seria um modelo ideal, caso fosse observado, na íntegra, o que prevê a Carta Maior. Sabemos, porém, que, na realidade, a correspondência deixa a desejar. Inclusive, neste terceiro ano de pandemia, quando é inconteste o fato de milhares de famílias terem empobrecido e ficado à mercê de doenças de toda sorte, inclusive as renais, a informação é importante arma, como bem lembrou o colega José Moura Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, em artigo publicado no Estado de São Paulo.

Mas nem tudo é apocalíptico: se o número de doentes aumentou, a quantidade de ferramentas de combate a ele também. Já temos, à disposição, também na rede pública de saúde, em cidades do interior, aferidores de traços de alerta, como simples exames de urina e a dosagem de creatinina. Esse aferidor reputo que seja de suma importância, uma vez que pode auxiliar na prevenção, antes mesmo de qualquer outro exame nessa área. É fato tão relevante que o lema do Dia Mundial do Rim é “Saúde dos rins e exame de creatinina para todos”. Temos também tido campanhas eficazes de combate ao fumo, excesso de peso, diabetes, hipertensão arterial, vetores de risco para desenvolver a doença renal.

A disseminação de informações acerca de tratamentos já era uma preocupação nossa quando trouxemos a primeira máquina de hemodiálise para São Luís, em 1978, inaugurando uma nova era no sistema de tratamento de problemas renais no Maranhão. É bem verdade que os serviços nessa área evoluíram muito, e somos hoje referência em terapia renal substitutiva. O Hospital Universitário, desde março de 2000, realiza transplantes de rim. Logo em seguida, também foi instalada a Central de Captação de órgãos que, desde então, tem trabalhado arduamente.

Infelizmente, a doença não é o único mal. O mal é tudo aquilo que oprime o sujeito, inclusive uma doença, exprime Albert Camus. Mesmo assim, para esse caso do comprometimento renal, é necessário informação e acesso ao tratamento adequado em suas multiplicidades, para o combate à doença renal crônica, que é grave e complexa, mas possível de ser vencida ou, em último caso, vivida.

Cuide dos seus rins. Dose a sua creatinina.

Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

 

Revisão: Jáder Cavalcante

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