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Por uma moderna arca de Noé

publicado: 28/05/2022 14h13, última modificação: 31/05/2022 08h45
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Leio interessante reportagem no portal de notícias da BBC, dando conta de uma releitura do que a narrativa bíblica nos informa do personagem Noé que, para salvar as diversas espécies que existiam no planeta à época, constrói uma gigantesca arca que as preservará com vida, apesar do dilúvio que se avizinhava.

Por mais estranho que esse relato bíblico possa parecer aos modernos ouvidos, a reportagem informa que os cientistas ingleses estão preocupados com o rápido desaparecimento de espécimes ameaçadas que constam da lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Uma espécie de backup. Ou uma versão moderna da arca.

Amostras desses animais estão sendo retiradas e congeladas no Nature’s Safe, um banco com tecidos que fica localizado no Reino Unido, em temperaturas baixíssimas, na esperança de que um dia a humanidade disponha de tecnologia suficiente para trazer, de volta à vida, os bichos que um dia conviveram na terra.

A ideia não é apenas de ressuscitá-los, mas também de fazer clonagem. Lá existem amostras de leopardo-das-neves, do sapo-da-montanha, do jaguar goshi e da ave pega-verde-de-java. Os cientistas têm lutado para encontrar e recolher amostras de animais raríssimos, num grande esforço concentrado de preservação e amor pelas futuras gerações, que podem ter a chance de conhecer de perto a rica diversidade da fauna de nosso planeta.

Notícias como essa nos animam e nos deixam esperançosos. Enquanto em diversos cantos da Terra, homens se armam em nome de ideologias duvidosas e de interesses armamentistas, financeiros e políticos, para destruírem seus semelhantes, existem aqueles que, movidos pela ciência e pela esperança, acreditam no direito de convivermos todos em paz, nesta mesma casa.

Volto ao personagem Noé. O livro de Gênesis diz que, em meio a uma geração perversa, só ele e sua família foram separados da destruição revelada: o mundo de então seria submerso por águas destruidoras. Entretanto, não só eles, mas também animais seriam salvos da ordem divina de aniquilamento. 

Penso nessa história como uma grande metáfora de altruísmo, solidariedade e preservação. Vidas humanas importam, assim como as dos animais e também das plantas auxiliam na cura de males e fornecem fruto, sombra e beleza.

A pandemia que ora arrefece no planeta veio para nos ensinar que somos todos habitantes dessa mesma morada, interconectados, dependentes e frágeis. Um vírus de proporção microscópica ofereceu lições de crescimento pessoal, de melhoria e de consciência da necessidade fundamental de importar-se com o que de fato é relevante.

O escritor Fareed Zakaria, doutor em política internacional pela Universidade de Harvard e autor do livro “Dez lições para o mundo pós-pandemia”, elegeu o triunfo da ciência como um dos marcos desta era. Referia-se aos efeitos do êxito científico para todo o planeta.

Entrevistado pelo jornal O Globo, ele afirmou que há sim uma ciência cooperativa, que nos oriente a trabalhar unidos em favor de todos. Precisamos crescer, inovar e avançar, tendo em mente que nosso planeta Terra é único. Essa é a lição que espero que aprendamos. É a mais difícil, porque requer a maior e mais importante mudança. Se não a aprendermos, talvez não haja tempo para refazermos esse exercício vital que nos possibilita corrigir nossos enganos. Na arca tecnológica, há lugar para todos, apenas se entendermos que ela é a casa que nos abriga.

Noé passou 120 anos até começar o dilúvio, enquanto muitos – que desapareceram – talvez tenham considerado aquela atitude de construir a arca um delírio. Hoje, enquanto alguns se ocupam das amostras desses animais congelados no Nature’s Safe, talvez muitos estejam assistindo a tudo isso como uma miragem futurista, contrariando a orientação divina (Gênesis 2:15), de que ao homem caberia “lavrar e guardar” o jardim do Éden, a natureza, a Terra.

Mas, nesta atmosfera de ameaças à vida no planeta a que assistimos, é bom que todos estejamos comprometidos com a construção dessa moderna arca de Noé, fazendo caber cada vez mais amostras para que, um dia, ainda haja um pássaro para voltar com uma folha no bico, dando notícias de que a vida foi preservada.

Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Professor Titular de Medicina da UFMA
Chefe do Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário da UFMA
Coordenador da Pesquisa Clinica em Nefrologia do HUUFMA
Coordenador da Liga de Afecções Renais do HUUFMA

Full Professor, School of Medicine of the UFMA
Head of Urinary System, University Hospital - UFMA
Coordinator of Clinical Research in Nephrology - HUUFMA
Coordinator of League of Kidney Diseases - HUUFMA

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