Notícias

Pergunta para responder agora

publicado: 07/08/2021 08h00, última modificação: 06/08/2021 08h52
Artigo do Reitor.jpg

No início das medidas de restrição de contato - precaução estabelecida para conter a pandemia, diversos profissionais da saúde mental foram quase que instantaneamente chamados a opinar e orientar milhares de pessoas que tiveram suas vidas abruptamente interrompidas com consequências devastadoras.

Somadas a isso, vieram as questões de como viver os desafios relacionais e pessoais, no sentido psíquico do emocional, em quarentena, experiência não vivida por quase nenhum país do mundo em quase 102 anos, hoje por quase todos. Há exceções? Outro fenômeno que os especialistas destacaram como algo que veio para ficar definitivamente foi a migração em massa de serviços, aulas em todos os graus de formação e atividades laborais, para os que não perderam seus vínculos de trabalhos, tudo realizado por meios virtuais, exceto, é claro, para as entregas que continuarão sendo feitas por pessoas, pelo menos por enquanto.

Um processo de mudança tão radical, imposto de forma tão rápida não permite que as pessoas acompanhem todas as alterações em sua extensão, uma vez que não havia qualquer referência possível de aprendizado anterior. Todos estamos tendo que aprender no próprio desenrolar dos acontecimentos.

Uma das áreas mais atingidas foi o mundo do trabalho. As condições que se colocam hoje ainda precisam de muita pesquisa para destrinchá-las, pois, se há alguma certeza, é a de que houve uma mudança definitiva nas relações de trabalho, o que inclui o modo como as próprias pessoas se percebem e agem nesse contexto.

A partir dessa constatação, o jornal El País produziu um artigo que revela um pouco das primeiras impressões da pesquisa a partir das muitas descrições de casos que se apresentam entre os trabalhadores de todas as áreas, que tiveram de migrar para a virtualidade. Uma nova expressão foi cunhada: produtividade tóxica. Trata-se de uma situação em que, por excesso de trabalho, as pessoas têm chegado a seu limite emocional, psíquico e físico. 

A razão, segundo estudos psicológicos, deve-se ao medo de perder o posto de trabalho e à pressão que pode ser oriunda do estado de espírito próprio do trabalhador, acossado pela instabilidade, mas não menos pelas restrições das empresas. Muitos entraram em maratonas exaustivas, acrescentando às suas horas de trabalho, formações novas para se manterem atualizados, enquanto tentavam equilibrar o ambiente doméstico.

O resultado é que essas pessoas têm perdido consideravelmente a conexão com sua rede de relações, não tendo mais lazer. Em resumo: têm perdido muito de sua qualidade de vida com, inclusive, o aparecimento de doenças de cunho psicossomático. O próprio formato do teletrabalho demanda doses cavalares de atenção, foco e horas em posições nem sempre ergonômicas. Problemas de visão, redução da capacidade de concentração, irritabilidade, fadiga são algumas das consequências dessas horas exaustivas de produtividade quase ininterrupta.

Psicólogos afirmam que pessoas com altos níveis de exigência têm demonstrado maiores sintomas por causa do esforço exagerado no teletrabalho. Mas, igualmente, psicólogos consultados, na reportagem, dizem que pessoas com autoestima frágil também têm sofrido com o descontrole próprio de uma realidade sobre a qual todos sabem pouco.

É evidente que a pandemia em si tem contribuído ou com a incerteza e insegurança profissional ou com o medo diante da possibilidade de contaminação. Ansiedade e depressão têm sido relatadas, em taxas muito maiores do que as ocorrências epidemiológicas já estudadas.

Como profissional da área da saúde e também como estudioso dessa nova realidade, imagino que estamos inexoravelmente em um mundo do qual não sairemos mais. O que fazer? Procurar manter o equilíbrio, para resgatar a qualidade de vida que tem sido atingida como nunca foi a das gerações passadas. Não custa nada acreditarmos que, se não podemos mudar o mundo, podemos, pelo menos, nesta nossa breve passagem pelo planeta Terra, melhorá-lo. 

Aconteça o que acontecer, estar vivo amanhã e a forma de viver o amanhã dependerá do que estivermos fazendo agora. Se equilíbrio é remédio antigo muito eficaz em todas as situações, a certeza de que estamos construindo novas formas de relacionamento e de convívio social em todos os níveis não pode nos desequilibrar diante das expectativas do que nos aguarda. Porque, como já foi dito pela arte em outro contexto, tudo vai ser diferente. O que fazer? “É melhor pensar depressa e escolher, antes do fim”.

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado em O Estado do MA, em 07/08/2021

registrado em: