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Pela beleza que não envelhece

publicado: 28/08/2021 08h00, última modificação: 29/08/2021 10h24
Artigo do Reitor

A caminhada – que por si só tem efeitos internos para o corpo humano – é, também, veículo de aproximação social para idosos, quando feita em ambientes externos, principalmente para aqueles com reduzidos círculos de amizades e uma rotina marcada pela ministração de medicamentos diversos no decorrer dos dias tediosos. A reportagem a que me referi mostra que a caminhada impulsiona ao melhor funcionamento do cérebro, na terceira idade, reduzindo, inclusive, o risco da doença de Alzheimer. Acalma a ansiedade, melhora o humor e até desenvolve laços comunitários.

 No consultório, por diversas vezes, ao atender pacientes idosos, percebia de início aqueles que mantinham uma rotina equilibrada de caminhadas diárias. Mais falantes, conseguiam adiar os problemas tão comuns a essa fase da vida. Já aqueles que se recolhiam às suas casas – apenas por comodismo ou outra intercorrência que os impediam de dar as passadas necessárias – revelavam-se pessoas com mais queixas físicas e emocionais.

Vivemos em uma época em que o óbvio parece ser surpreendente e o rotineiro é celebrado. Isso tudo é consequência inevitável do longo período em que nos acostumamos a mediar nossa comunicação pelas tecnologias disponíveis, em consequência do que o contato presencial com outras pessoas ficou mais raro. Quantos de nós não conhecemos pessoas que se distanciaram umas das outras e se isolaram de qualquer contato, por mínimo que fosse e, passado o tempo áureo da pandemia, insistem em manter esse hábito?

Talvez ainda não tenhamos – e pode ser que demore, para que possamos ter – a exata dimensão do quanto a pandemia afetou nossas vidas de forma indelével em todos os aspectos. Daí alguns resultados, agora já conhecidos, e outros, que se revelarão com o tempo. De qualquer modo acredito que o público idoso, já tão acossado com as vicissitudes dessa quadra da vida, seja um dos que mais foi atingido com o isolamento social forçado e que, compreensivelmente, ainda resiste a retomar certos hábitos necessários, a exemplo da caminhada.

A poeta Cora Coralina deu uma recomendação que é atual, principalmente neste cenário: “Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo”. Faço coro à fala de Cora: triste é morrer num ano e ser enterrado apenas anos mais tarde. Ou como constatou, pasma, Cecília Meireles: já não se morre de velhice (...) só de indiferença. Por isso, receito: dentro das circunstâncias possíveis, aqueles que ultrapassaram as seis décadas de vida devem olhar o presente como a palavra que o representa. Como uma dádiva a ser desfrutada, aproveitada em cada um dos dias. Caminhem, sonhem e sejam felizes.

O que pode parecer simples e até banal é, na realidade, um poderoso instrumento de acesso a vários benefícios, a exemplo de prevenção de saúde física, emocional e um vetor de novas habilidades de comunicação.

Quando me deparei com a reportagem publicada esta semana pelo prestigiado NY Times, que trouxe os dados de uma pesquisa recente sobre os benefícios da caminhada lenta para a mente dos idosos, lembrei dos versos de O velho do espelho - de Mário Quintana”, poeta gaúcho, que descreveu, como poucos, a terceira idade. Transcrevo-os aqui, para não termos que sentir a dor do reflexo de nossa própria velhice:

(...)Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse Que me olha e é tão mais velho do que eu? Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho... Que importa? Eu sou, ainda, Aquele mesmo menino teimoso de sempre”.

Natalino Salgado Filho

Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado em O Estado do MA, em 28/08/2021

 

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