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Para “doenças piores que as doenças”
Tive o privilégio de acompanhar, como médico, centenas de casos ao longo de meu exercício profissional. Observei a evolução de remédios e tratamentos para males diversos e resistentes e, nesse mister, pude constatar aquilo que Fernando Pessoa menciona em poesia, quando diz que “Há doenças piores que as doenças...”
Para tais enfermidades, há remédios dotados de absurda complexidade. E um desses é o perdão, que, há muito, deixou de ser objeto de estudo apenas da teologia ou do ambiente religioso. Neurocientistas e psicólogos têm se debruçado sobre o conceito de perdão e têm oferecido uma perspectiva fascinante sobre o ato de perdoar, que envolve estruturas do cérebro como ínsula, córtex límbico e deságua em consequências salutares na vida.
A melhor forma, porém, para falar de perdão é contando uma história. O The Washington Post publicou um artigo muito inspirador contando histórias comoventes de pessoas que superaram traumas, traições e dores com o perdão. Caminho tortuoso e desafiador, pois nunca é fácil. Mas algo acontece com essas pessoas que, perdoando, ultrapassam o senso de justiça retributiva e o desejo adoecido de vingança.
Em Nova York, há uma ong chamada RIP Medical Debt, dedicada a pagar os caríssimos tratamentos médicos que, nos EUA especialmente, pode levar uma família rapidamente a perder tudo, inclusive a moradia, em razão das dívidas contraídas com os serviços médicos.
Uma enfermeira de apenas 43 anos, com hérnia de disco, no processo de tratamento – oito cirurgias – contraiu uma infecção que se tornou meningite e a deixou sequelada e dependente de uma bengala, além de um quadro de constantes convulsões que a deixaram incapaz de dirigir. Perdeu a moradia e passou a depender do favor dos outros. Um dia, ela recebeu um envelope da RIP medical Debt que declarava que parte de suas dívidas médicas estavam perdoadas.
As pessoas não podem pedir que a ONg pague seus custos de tratamento. Elas escolhem a quem querem ajudar. O valor que deram era pequeno diante do montante da dívida. Mas causou algo tão extraordinário que, na esteira de bons acontecimentos, ela foi reconhecida como incapaz pelo governo, arrumou moradia e sua vida se organizou.
Outra mulher, sobrevivente de violência doméstica, acreditava que, em sua vida adulta, jamais se reconectaria à mãe, que a machucou de muitas formas quando criança. Um dia, porém, ela soube que a mãe estava hospitalizada depois de ter sofrido vários derrames que a deixaram completamente incapaz. Não havia ninguém para ajudar, e a mãe se tornaria praticamente uma indigente no hospital. A filha decidiu visitar a mãe e ler para ela. Percebeu que, enquanto o fazia, sua raiva se dissipou dando lugar e espaço ao perdão.
Perdoar pode ser muito difícil, mas as evidências mostram que o perdoador ganha saúde emocional e liberdade depois que perdoa. É um estranho fenômeno que acontece àquele que poderia prosseguir em seu desejo de vingança e, de repente, liberta-se daquele domínio que estava estragando sua existência. Os estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento humano também afirmam ser a indulgência e a empatia outros benefícios diretos, que auxiliam na expressividade de sentimentos e que conduzem o perdoador a uma vida mais positiva, mais plena e satisfatória.
A Universidade Baylor, por meio de seus pesquisadores, publicou um estudo valioso no “Journal of Positive Psychology” que fala de um aspecto educativo do perdão: a capacidade de aquele que perdoa tornar-se capaz de perdoar. Esse poderoso instrumento de valorização da vida e da saúde deve ser adotado para a melhoria das relações e também para o crescimento pessoal de quem deseja prosseguir na vida livre de amarras.
Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina
Revisão: Jáder Cavalcante