Notícias
Os breves dias de João
Entre tantas mortes sofridas e perdas emocionais ocasionadas pela Covid19, uma delas, em particular, nesses últimos dias, trouxe-me profunda tristeza. Falo da perda do amigo e também membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão - do qual faço parte - o padre João Dias Rezende Filho.
Passageira e bastante significativa foi a vida de João. Nem havia chegado aos 40 anos. Ainda bem jovem, fez os sagrados votos de obediência, pobreza e castidade para dedicar cada um dos seus dias ao ofício da Casa de Deus. Além das ações próprias de sua missão - visitas aos doentes, audições, ensino e responsabilidades administrativas - o clérigo tinha paixão pelos livros, pelos amigos e por sua família, à qual me irmano enlutado.
Quando do ingresso dele no IHGM, tive a honra de saudá-lo. Àquela ocasião, tive a alegria de narrar um pouco do histórico dos antepassados de João, que também estiveram envolvidos no sagrado ofício de cultivar o conhecimento. Lembrei de Thucydides Frota, o primeiro homem a ocupar a cadeira de número 35 do Instituto. Era irmão de Antonio Barbosa, bisavô de João.
Frota era intelectual de renome, pesquisador dedicado e autor de várias obras que registram a história de Balsas, cidade que escolheu para amar e servir. Lá também exerceu mandato de prefeito. Foi ainda deputado, empresário do jornalismo, incentivador de ligas esportivas, difusor de tecnologia. Viveu para honrar e dignificar a região que o acolheu como filho. Naquele momento, tive a oportunidade de enaltecer as raízes de João, esse saudoso querido amigo.
Agora, no percurso do Padre João a que me refiro, chego ao lugar oposto de suas origens, nesta vida, porque ele, que tantas vezes consolou outros corações e animou os entristecidos, encontra nova morada no lugar que foi tema de suas pregações e de sua esperança terrena. Era um homem de Deus e da fé. Quando de meu discurso de saudação, lembrei de outros homens de Deus que se encontram na Bíblia, os quais, com ele, poderiam ser identificados.
Por exemplo: o Batista, precursor do Cordeiro de Deus que veio para tirar os pecados do mundo, cumpriu fielmente o ofício de chamar pecadores ao arrependimento e assomar-se ao papel humilde de “voz que clama no deserto”. O outro João, discípulo amado, foi autor do evangelho que se inicia com a figura emblemática do Verbo que se fez carne, registra o diálogo de Jesus com Nicodemos, narra a ressurreição de Lázaro e, por fim, já aos pés da cruz, recebe a missão de cuidar de Maria, a mãe de Jesus. Coube a ele o privilégio de narrar os últimos acontecimentos da humanidade registrados em seu cativeiro na ilha de Patmos, no livro que encerra o cânon bíblico chamado de Apocalipse.
Ao nosso João recém-partido, permanece a tarefa de, com seu exemplo e dedicação, aqui na terra, através de sua biografia, inspirar outros a trilharem a mesma senda da partilha do pão do saber, do cuidado com os pobres, do amparo às famílias e do culto aos sagrados valores eternos, como o amor, a graça e a misericórdia, sem nunca perder de vista a presença de Cristo no próximo, o semelhante.
(A)Deus, amigo João!
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.
Publicao em O Estado do Maranhão, em 15/05/2021