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Olhos atentos para todos os lados
Não olhe para cima, filme estrelado por Leonardo DiCaprio (Randall Mindy) e Jennifer Lawrence (Kate Dibiasky) e a impagável Meryl Streep (Presidente Orlean), agitou as redes sociais neste final de ano e continua causando muitas repercussões. Há uma meia dúzia de leituras do filme e, pelo menos uma deixa transparecer os grandes debates, nem sempre sóbrios, que fizeram parte de nossas vidas nos últimos dois anos.
Acredito que, quanto mais se fala do filme, mais pessoas sentirão curiosidade de acompanhar o desenrolar de um enredo que conta a história da descoberta de um cometa. Diferente do Leonard, que está passando próximo à terra desde sua última aparição há cerca de 80 mil anos, a qual tem rendido fotos – já começa a perder brilho, pois iniciou sua viagem ao espaço profundo e para longe do nosso sol batizado de Dibiasky e está em rota de colisão com a terra.
A notícia aterradora e cataclísmica é dada e logo se percebe que o governo americano, preocupado com suas querelas políticas e jogos de interesse, não parece muito preocupado com a ameaça. É temporada de eleições e a presidente só pensa em faturar midiaticamente. É impressionante como o mundo cá fora das telas está retratado de forma fidedigna. A população fica anestesiada pelas mídias sociais, o casal da hora reata e briga publicamente, o empresário torna-se “oportunizador” de experiências; jornalistas querem aparecer mais do que a própria notícia, defesas apaixonadas explodem de um lado e de outro e o mais que aparece constitui o cenário de um mundo que não nos é alheio, porque qualquer semelhança, neste caso, não é mera coincidência.
A proposta do filme é mostrar como a voz da ciência - ainda que fundamentada em pesquisa e experimento com resultados atestados por qualquer um – é recebida, especialmente, quando compete com interesses não totalmente claros em suas intenções. Os cientistas, representados por DiCaprio e Lawrence, vivem uma verdadeira via crucis para mostrar a terrível verdade. Para se fazerem crer, ambos têm o mesmo objetivo, embora no meio do caminho adotem caminhos e estratégias diversas.
Assistimos estupefatos uma ópera italiana em versão moderna. Quase não acreditamos na reação das pessoas. Chega a ser caricato, já que absurdamente real. Abstraída a ficção, cujo inimigo é o cometa que se aproxima velozmente da terra e ameaça a existência de todos os seres, podemos substituí-lo tranquilamente pela Covid-19, pelo aumento da temperatura da Terra, pela perda de espécies em proporções nunca antes vista ou mesmo pela queda de meteoro há 65 milhões de anos que extinguiu os dinossauros, como atesta a cratera gigantesca na península de Yucatã, na costa mexicana. Pior ainda: tudo por causa das ações humanas.
Para falar de certos temas, a arte coloca lentes de aumento, carrega nas tintas para chamar a atenção. Talvez seja a única forma de despertar o interesse das pessoas para questões que são tão importantes como seria a vinda de um cometa para atingir nosso frágil planeta azul. Nossas ações de agora legarão para nossos filhos e netos problemas complexos e consequências que sequer podemos imaginar. Ainda causa espanto a quantidade de pessoas que preferem colocar venda nos olhos, como édipos modernos, a ter que encarar a realidade neste quase biênio de pandemia.
E em um mundo de pós-verdades, as notícias sobre a vacinação – que tanto têm impedido que o número de óbitos aumente – não têm sido nada animadoras. No início de dezembro, o Ministério da Saúde emitiu um boletim epidemiológico atestando ser da ordem de 18,78% a queda dos registros no número de vacinação. Pasmem: 93% desde o pico da pandemia, que se deu em abril deste ano.
Vivemos – como afirmam os estudiosos da comunicação – numa disseminação diluvial. “Especialistas” se formam da noite para o dia e se danam a dar opiniões sobre o que sequer desconfiam, que dirá entendem. E a população, assustada e crédula, se enreda na moderna rede de Hefesto, traçada com engenho por vingança. Àqueles, Dante deveria ter previsto um círculo especial.
Mas, enfim, estamos no início de um ano novo. Se a realidade à volta não muda, esperamos que pelo menos nosso ânimo seja renovado, nossa esperança cresça e nossa fé não se abale. Fé em Deus, no avanço persistente da ciência e na capacidade que todo ser humano tem de mudar de opinião quando muda seu pensamento, conformemos lembrou Pascal. Um 2022 mais leve para o mundo.
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.