O infinito particular em nós

Recentemente um engenheiro da gigante Alphabet, dona do Google, falou, em suas redes sociais, que um projeto de inteligência artificial (IA) da empresa havia alcançado a consciência. A empresa veio a público e negou. Este episódio revela algo importante: caminhamos decididamente para um tipo de consciência feita de silício, mas não sabemos quão distantes estamos, pois temos grandes debates entre os especialistas sobre como a consciência humana se forma e mesmo onde ela está. 

Criar uma consciência feita de bits é algo inimaginável no momento, a despeito das realizações atuais feitas em IA. Há várias teorias sobre a mente, tomando-se como sinônimo de consciência a que defende Daniel J. Siegel, professor clínico de psiquiatria na UCLA School of Medicine. O professor defende a ideia, em seu livro Mente Saudável, de que a consciência atravessa todo o corpo. 

Apenas na última década, são surpreendentesos avanços do conhecimento sobre nosso cérebro. Depois de mais de um século de estudos científicos, desde KorbinianBrodmann, o homem que desvendou a citoarquitetura cerebral e relatou 52 áreas diferentes, baseado neste conceito, ainda temos um verdadeiro universo inteiro para conhecer o cérebro. Um exemplo? Há apenas quatro anos foi descoberto um novo neurônio, o cinórrodo cuja função ninguém sabe exatamente qual é, conforme relata o neurologista Sanjay Gupta, em seu excelente livro Mente Afiada. 

A consciência como conceito, visto que não temos um órgão ou lugar ao qual possamos relacioná-la, não envolve somente a questão fisiológica e estrutural do cérebro, contém aspectos filosóficos, teológicos e, naturalmente, biológicos. Josep Dalmau, pesquisador do ICREA do Instituto de Pesquisas do Hospital das Clínicas de Barcelona, IDIBAPS, que desde 2007 descreveu 11 das 17 doenças do cérebro, afirmou que “se falarmos agora do funcionamento da consciência, que é o limite entre a neurociência e a filosofia, (...) poderia dizer que isso nunca será conhecido. A afirmação do ilustre pesquisador pode ser muito definitiva para uma realidade em que as descobertas são vertiginosas nessa área, mas mostra quão complexo e fascinante é o cérebro humano.

Com relação à ignorância da ciência sobre o cérebro, basta mencionarmos as doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. Ambas são descritas no início do século XX e, apesar dos vários avanços, ainda não temos um horizonte factível de cura, embora haja muita esperança com os tratamentos que estão sendo testados.
O diagnóstico dos transtornos mentais, embora a busca por marcadores biológicos tenha várias propostas promissoras, ainda se realiza de forma clínica. A primeira medicação realmente eficaz para tratar esquizofrenia e seus efeitos, a Clorpromazina, foi disponibilizada para uso clínico apenas em 1952 e a história da loucura, para lembrar o clássico livro de Foucault, é tratada de forma médica, desde o século XVIII, se tomarmos Phillip Pinel como ponto de partida.
Ainda temos muito a descobrir desse infinito particular que é a mente. Certamente visionários do passado devem ter sonhado com a possibilidade de ver os largos passos da ciência com os quais convivemos maravilhados.

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina