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O futuro no presente (II)

publicado: 07/03/2023 16h02, última modificação: 08/03/2023 11h20
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Escrevi, no texto anterior, do qual este é sequência, acerca do “admirável mundo novo”, o que a Inteligência Artificial, numa celeridade desconcertante, está nos proporcionando a propósito de novas ferramentas lançadas no mercado, a exemplo do ChatGPT, capaz de criar textos inéditos e outras utilidades ainda sequer pensadas.

Trata-se de apenas um dos reflexos da inteligência Artificial generativa, que alia informações que existem e unem ao que pode ser apreendido na interação com usuários. Ela difere das aplicações que conhecemos das demais IA, justamente pela capacidade de criar algo inédito.  Eis uma das justificativas para o termo “generativa”.

Na área da saúde, campo que percorro já faz décadas, o principal avanço já constatado é a velocidade do diagnóstico de doenças (e por consequência, sua precisão), o fortalecimento da pesquisa, o barateamento dos medicamentos e a possibilidade de remédios individualizados, com baae no conhecimento prévio de todos os dados do paciente. Os árduos defensores dessa ferramenta argumentam que não teríamos que sofrer tanto como na pandemia, se tivéssemos acesso a respostas mais rápidas e eficazes.

Uma prova inconteste foi a que experimentamos no enfrentamento da covid-19, que ceifou vidas, em profusão, mas produziu respostas relativamente rápidas, se considerarmos o mundo de menos de um século atrás. A gripe de Hong Kong, por exemplo, nos idos de 1968 e 1970, matou milhares de crianças, surgindo na Ásia e invadindo a Europa e os Estados Unidos. Foi conceituada como a primeira pandemia moderna, de vez que se propagou por meio do transporte aéreo. Não existia uma forma de combate eficaz. Anos antes, entre 1918 e 1919, a gripe chamada "espanhola", considerada a mais mortal do início do século XX, ameaçou seriamente a existência da vida humana na terra.

A literatura, por diversas vezes, traçou uma releitura desses cenários de impotência, de desespero e de pavor. Para isso, tomo a fantástica metáfora desenvolvida no livro A Peste, de Albert Camus, quando descreve um surto de peste Negra — peste Bubônica — que assolou a Europa no séc. XIV e matou milhões de pessoas. A espera da morte era a única possibilidade.

 De volta ao século XXI, o cenário de usos e aplicações da IA na saúde sequer imaginadas avizinha-se, e os noticiários especializados dão conta de que  empresas gigantes da área já começaram a se movimentar: a Alphabet, empresa ligada ao Google, vem realizando, desde 2017, vários investimentos em empreendiamentos de saúde e biotecnologia e, mais recentemente, fez parceria com a GlaxoSmithKline, fabricante renomada de medicamentos do Reino Unido, com o intuito de utilizar expertise na fabricação de remédios, para desenvolver sofisticados meios de enfrentamento de doenças.

Uma outra ferramenta tecnológica para a saúde, desenvolvida pelo Google, o ARDA, vem alcançando relativo sucesso na área de exames de retinopatia diabética. A engenhoca tem capacidade de avaliar mais de 300 pacientes por dia, com precisão e segurança, em regiões remotas do planeta. Também estão sendo desenvolvidos aplicativos para permitir que os microfones embutidos nos nossos celulares possam, ao mesmo tempo, registar e avaliar as batidas do coração de uma pessoa por aproximação, detectando irregulares batimentos cardíacos e ofertando possibilidades e até mesmo alertas.

E mais: a inteligência artificial nessa área, com a utilização de algoritmos bem-traçados, já permite estipular padrões em certas doenças e ofertar tratamentos mais rápidos e eficazes, como uma forma de prevenção, possibilitando até o treinamento de modelos de aprendizados de máquinas. As experiências são fantásticas: em um conjunto menor de dados, já é possível permitir maior precisão em casos reais, por meio da geração de imagens médicas realistas, superando o tempo demorado para que, em condições ditas normais, se alcance esse resultado.

Na área da cirurgia, invoco o exemplo da startup britânica CRM Surgical, responsável pela plataforma robótica Versius, que traz um currículo invejável: mais de mil intervenções clínicas em diversas especialidades médicas.  Vale destacar também o robô Da Vinci, uma plataforma robótica conhecida de muitos médicos e presente na realidade de muitos hospitais mais avançados. Penso que tudo é um avanço e quem é fã da saga Star Wars se deparou com um cenário ainda mais sofisticado em cenas que é possível ver robôs médicos operando, sozinhos, os seres humanos, sem nenhuma intervenção ou supervisão.

As indagações filosóficas se multiplicam: vamos prescindir do conhecimento humano nessa área? Vamos abrir mão de médicos, pesquisadores e de todo o aparato de profissionais da área da saúde? Creio que não. O que pode acontecer é uma interação mais criativa em que máquinas e mãos possam ofertar uma melhor qualidade de vida.

 

Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

 

Revisão: Jáder Cavalcante

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