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O futuro no presente
Estamos todos, de certa forma, acostumados ao termo inteligência artificial e até mesmo adaptados a usar serviços como chatbots para resolver problemas de compras, entre outros. A experiência com o que se denomina inteligência artificial pode ser percebida na simples busca por um produto ou assunto: de repente, começamos a receber sugestões daquilo que procuramos de uma forma massiva e intrusiva até. Basta experimentar uma procura inocente sobre “férias em Paris”, em qualquer plataforma de busca, que nossa tela, em profusão, é invadida por anúncios de empresas de turismo, hospedagens e companhias aéreas.
Não temos mais a liberdade que julgamos ter de comprar, escolher ou tomar variadas decisões. Isso é bom ou ruim? Como podemos aprender a conviver com o futuro já presente e extrair elementos para crescer como pessoas, sem perder a perspectiva do que nos fez atravessar os milênios como raça humana, especialmente com aquilo que nos diferencia de máquinas e animais?
Vou dedicar este e os próximos artigos para falar sobre ferramentas de Inteligência Artificial e suas interações (na ausência de outra palavra mais apropriada) com a criatividade humana, transformando-a, adaptando nossa forma de existir e, em determinadas situações, tornando mais confortável e segura nossa jornada, com certos percalços no caminho.
É natural que tudo o que é novo e desconhecido tenda a nos causar medo, sentimento cultivado especialmente na cultura popular, e, em especial, no cinema, que tem sido a grande plataforma que tateia um futuro distópico que projeta máquinas dominadoras e escravizantes do mundo. E pior, tentam exterminar a raça humana. Há exemplos já tornados antológicos, a iniciar com “O exterminador do futuro” (1984). O nome completo do assustador personagem vivido por Arnold Schwarzenegger, um robô enviado do futuro para matar o herói humano, é Model 101 - 800 Series Terminator. Implacável e quase imortal, o robô persegue seu objetivo com terrível determinação.
Lembro outro filme clássico (a trilha sonora é fantástica), intitulado “2001, uma odisseia no espaço” (1968), baseado no romance de Arthur Clarke e dirigido por Stanley Kubrick: é uma obra-prima do cinema. Nele, a inteligência artificial Hal 9000 controla a espaçonave e, ao entrar em pane, tenta eliminar a tripulação humana. Excelente para assistir e refletir também é “Eu, Robô” (de 2004), baseado na obra instigante de Isaac Asimov. A ficção se passa em 2035 (já estamos próximos), quando é comum robôs serem assistentes pessoais dos humanos. Os robôs todos são conduzidos por um código de programação que determina que jamais podem exercer a violência contra humanos.
De volta a 2023, na esteira dessas novidades tecnológicas, deparamo-nos com a ferramenta ChatGPT criado pela startup OpenIA, empresa fundada em 2015. Não mais que de repente, tornou-se o trending topic do ano 2022 e certamente avança neste ano com a operacionalização do programa pela Microsoft, que usará em pesquisador Bing, no momento em estado de teste com público escolhido.
O ChatGPT é a evolução em nível geométrica dos chatbots que nos conduzem por aqueles labirintos de números até nos jogarem na mão de algum humano. Ele é capaz de produzir textos complexos e extremamente sofisticados a ponto de se afirmar que as dissertações e teses do mundo acadêmico serão impactadas profundamente em sua autoria. Textos jornalísticos, receita de qualquer alimento, códigos de computador, planejamentos empresariais ou de viagens, discursos, emails corporativos. O céu, aparentemente, é o limite. A discussão agora é sobre o impacto econômico e social nos próximos anos. Em janeiro deste ano mais d e 100 milhões de pessoas já estavam usando o programa. Empresas anunciam a intenção de usar a IA e substituir humanos em várias atividades.
O ChatGPT é capaz de criar quase qualquer coisa inédita com base nos bilhões de dados com que foi alimentado. E está evoluindo dia a dia. Não se trata apenas de compilar dados, ele realmente é capaz de criar algo novo. Lembrando a academia a que nos referimos, penso que será necessário um outro tipo de avaliação, pois como será possível saber a autoria de um trabalho? Como poderemos aferir o que de fato foi esforço denodado de um pesquisador que investiu tempo de qualidade para levantar informações e então produzir uma escrita inédita de uma inteligência artificial que tem memória veloz e capacidade de interligar dados de maneira surpreendente?
A ferramenta está pronta para escrever textos coerentes, coesos e com um toque de ineditismo surpreendente. Vários editores mundo afora já estão utilizando o ChatGPT para produzir matérias inéditas sobre temas que estão presentes no noticiário, como a tragédia na Turquia, na Síria e o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Na semana passada, a ferramenta surpreendeu o mundo jurídico: submetido a responder à primeira fase do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, uma das provas mais concorridas e que anualmente separa quem pode e quem não pode passar da fase de bacharel para se tornar advogado no país. Num experimento executado por Daniel Marques, que é filósofo, advogado e presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), o ChatGPT respondeu às questões e obteve pontuação suficiente para passar para a segunda fase do exame.
Esse desafio que a ciência nos trouxe nos forçará a repensar muitas coisas. Ele tem implicações práticas, não há dúvida, mas também filosóficas. A ciência é boa. Mas, como advertiu o filósofo e ensaísta Byung-Chul Han em entrevista no ano passado ao “El Diário”, “se continuarmos como estamos, nunca haverá um segundo Cervantes”. Por enquanto, continuaremos a nos perguntar se a inteligência artificial matará nossa criatividade.
Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina
Revisão: Jáder Cavalcante