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Mais esperança para transpor as ondas

publicado: 29/05/2021 08h00, última modificação: 28/05/2021 09h00

Quando olhamos o quadro geral da pandemia Covid-19, vemos que o mundo ainda tem enormes dificuldades de combate à doença. Américas e Europa, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), continuam sendo os grandes focos e caminham em diferentes proporções para a terceira onda. A Índia e o representante asiático enfrentam maiores desafios, com um número crescente de mortes, incluindo uma nova cepa do vírus.

Mas o que significa o termo “onda”, frequentemente usado por técnicos e pela imprensa? Trata-se, fundamentalmente, do recrudescimento da doença com o aumento de contaminados e mortes. Propomo-nos a fazer um resumo das razões, embora reconhecendo que sejam muitas.

Cada país, por suas peculiaridades, definiu estratégias próprias para o enfrentamento da pandemia. As regras práticas de uso de máscara e álcool em gel, distanciamento social e medidas como lockdown e quarentena variaram bastante de um lugar para outro, em função das decisões políticas - frutos dos cálculos econômicos e das pressões resultantes dos representantes do comércio e da indústria.

É sabido, porém, que as medidas citadas no período anterior à vacina funcionaram, reduzindo a propagação da Covid-19 e freando o número de óbitos. Ora, a esta diminuição seguiu-se a gradativa reabertura das atividades econômicas. Uma espécie de efeito psicológico da descompressão, especialmente em nosso país, levou as pessoas a agirem como se a pandemia estivesse acabando.

O aumento natural de mais contaminados configura-se como uma onda, um novo momento da doença, um retorno associado a novas variantes mais agressivas e, aparentemente, de mais rápida infecção. Entre os pesquisadores, entretanto, tem-se ouvido, com muita frequência, que, devido à relativa proteção da vacina, há total necessidade de manter as medidas iniciais: uso de máscara, constante assepsia das mãos e - motivo de debate e politização - limitação das atividades econômicas, deslocamento de pessoas etc.

O Brasil, segundo o diretor-executivo de emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mike Ryan, começava a entrar em uma quarta onda, ainda no início de março, ao que ele chamou de tragédia. A verdade é que não há consenso quanto ao momento em que uma onda inicia ou termina. Entretanto, os números mostram um repique de novos casos no país. Mesmo que o número de mortes diárias tenha diminuído substancialmente, ainda continua sendo catastrófico.

Um fato incontestável é o quadro emocional e psicológico nas pessoas comuns. Os médicos que não estão na linha de frente dos tratamentos de Covid-19 têm recebido um número expressivo de pessoas com queixa de fadiga e estresse.  Tudo se agrava diante da incerteza e do medo da própria doença e dos prejuízos pessoais resultantes das medidas a que todos estão submetidos. Esta é uma epidemia dentro da pandemia. Fato que foi previsto pela própria OMS e pelos especialistas em saúde mental ao redor do mundo. 

Tudo isso me faz lembrar do capitão Ahab que, no leme do navio Pequod, singra as águas determinado a acabar com o motivo dos seus males, na monumental obra de Melville. Mas, ao contrário da verve vingativa do protagonista de Moby Dick, precisamos ser capitaneados pela crença de um mundo livre, sem ondas de pavor, sem desespero e sem morte.

Se estamos às voltas com ondas de recrudescimento da doença, ou seja, do retorno da pandemia com maior intensidade, podemos adotar - como antídoto – além da necessária e urgente vacina, as ondas da esperança, do ânimo e do otimismo. São elas que banharam a praia da existência da humanidade, mesmo nas maiores turbulências. Mesmo os náufragos, por instinto de sobrevivência, precisam acreditar que, em algum lugar, há uma taboa de salvação.  

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado em 29/05/2021, em O Estado do MA

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