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Gênios para além da vida
Esta semana uma efeméride importante é registrada para todos os que apreciam a pintura como uma das melhores expressões artísticas. Trata-se dos 450 anos do gênio Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, nascido em Lombardia, cidade do interior da Itália, precisamente em 29 de setembro de 1571.Viveu apenas 38 anos e catapultou seu nome para a história como aquele que tinha o dom de transportar para as telas diversos mitos, lendas e narrativas bíblicas com detalhes expressivos e até antecipatórios do mover que o cinema veio proporcionar.
O governo italiano, em homenagem ao artista, cunhou uma moeda de ouro comemorativa e o Vaticano também anunciou a emissão de uma moeda de prata – em formato retangular – com valor de 25 euros. Para colecionadores, um objeto de inestimável valor: em um dos lados da moeda, é possível apreciar a reprodução de “O Sepultamento de Cristo”, cujo original se encontra exposto na Pinacoteca Vaticana, em Roma, pintado entre 1602 e 1604.
Não bastasse isso, a tecnologia existente neste 2021 permite aos fãs do mundo inteiro apreciar as obras desse importante italiano na galeria virtual Haltadefinizione (https://www.haltadefinizione.com/),de uma maneira surpreendente. Ao acessar, por exemplo, a tela “O sacrifício de Isaque”, óleo sobre tela pintado em 1598 - que retrata o drama do patriarca Abraão em imolar seu único filho a pedido do próprio Deus – os detalhes são impressionantes. É possível ampliar em até 40 vezes o tamanho da obra, permitindo ver detalhes antes despercebidos.
Outra obra, o mito do deus grego Bacco, ganhou das mãos de Caravaggio um retrato que apresenta diversas frutas, em pintura datada de 1595. Ao ampliar a imagem por meio da ferramenta, é possível perceber os diversos matizes de cores escolhidos pelo artista para retratar cada um deles, num jogo delicado de luz e sombra.
Aliás, essa díade de claro/escuro marca a trajetória da produção do pintor. A própria temática escolhida para impressão de tinta em tela - que dizia respeito a temas não vistos, apenas contados, ouvidos e imaginados – desvelava aos olhos acostumados ao Renascimento clássico uma nova forma de contemplar o mundo. Instalava-se, de forma sorrateira, o barroco. Contemporâneos de Caravaggio, Cervantes e Shakespeare também revolucionaram a literatura e o teatro. De quando em vez, mentes ousadas surgem, ditam novas regras e rompem com o conhecido.
A reforma protestante avançava na Europa e a igreja católica lançou a contrarreforma, sendo Caravaggio um dos expoentes dessa operação, por meio da retratação dos santos de forma mais identificável ao povo da época, sendo a maioria pessoas pobres e desvalidas. No site que mencionei, é possível conferir as impressões do artista acerca de São João Batista, São Mateus, São Francisco e uma das maiores cenas de conversão registrada nas sagradas escrituras, que é a de São Paulo.
Para além das telas, quem tiver interesse em conhecer um pouco da atribulada e conturbada vida do pintor, preso diversas vezes, acusado de assassinato e de outros atos de violência, vale a pena conferir o filme que leva o nome do artista, que tem direção de Michael Buchanan e produção de Derek Jarman.
Aproveito este espaço para mencionar outra efeméride na Itália, tão fundamental para o mundo: os 700 anos de Dante Alighieri, comemorados neste mesmo setembro. O escritor – morto de malária com apenas 56 anos - tem o mérito de apresentar céu e inferno em assombrosas perspectivas por meio de sua Divina Comédia. Como se vê, Caravaggio e Alighieri são gênios para além da vida.
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.
Publicado em O Estado do Maranhão, em 2/10/2021