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E quem cuida do cuidador?

publicado: 17/04/2021 08h00, última modificação: 16/04/2021 16h01

Em artigo publicado esta semana (14/04), na Folha de São Paulo, os psiquiatras Gustavo Bonini Castellana e Thiago Fernando da Silva, ambos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, são categóricos em afirmar: os médicos chegaram ao seu pior momento em todo o curso da pandemia até aqui. Também em emocionado depoimento, o médico especialista em cuidados paliativos Mark Taubert, em artigo no prestigiado The Telegraph, resumiu a trágica situação. “Essa é a velocidade do coronavírus, que desafiou nosso enfoque no controle e gerenciamento dos sintomas nos últimos anos de vida mais do que nunca. (...) Durante o ano passado, eu e meus colegas certamente vimos mais pessoas que estavam mais ativamente cientes de sua própria morte e acordadas durante o agravamento de sua infecção”, escreveu.

As consequências desse cotidiano são alarmantes. O índice de profissionais com a Síndrome de Burnout vem aumentando na esteira do cansaço e do caos nos hospitais: um tipo de estresse cuja característica é o esgotamento físico e emocional, além dos aspectos cognitivos/psicológicos como sentimentos de incompetência e fracasso, desmotivação e embotamento afetivo.

O Conselho Federal de Medicina realizou uma pesquisa recente com 1600 médicos em todo o Brasil. Desta significativa amostra, 96% dos médicos relataram que a pandemia impactou suas vidas com aumento de estresse, crises ansiosas e perda da qualidade de vida. O objetivo do CFM é ter um registro real para chamar a atenção das autoridades para o grave quadro da força de saúde e também para os cuidados com estes profissionais. Este quadro é, em si, uma pandemia dentro da pandemia. Diante da avalanche de pessoas infectadas e precisando de cuidados, cada médico desabafa: - assim não se pode pensar em descanso, férias ou qualquer outra forma de alívio.

E, se pensarmos na quantidade de tempo envolvido, a surpresa ainda é maior. Há pouco mais de um ano – de quando a pandemia começou - o mundo médico foi tomado de perplexidade. Havia muitas perguntas e hipóteses. Gerações inteiras de médicos conheciam um evento pandêmico apenas pela história. Dessa magnitude, o último aconteceu há mais de cem anos. Pouco tempo depois, as imagens dos hospitais superlotados, mortes e cidades inteiras paralisadas em lockdown nos faziam ter um déjà-vu de tantos filmes que a indústria do entretenimento produziu com uma dúzia de cenários em que grandes cidades se tornavam desertas e caóticas.

Mas as cenas mais tocantes, entretanto, foram aquelas em que médicos faleceram, em especial o colega chinês Li Wenliang, o primeiro a alertar o mundo sobre a epidemia na cidade fonte do vírus, Wuhan. Pouco tempo depois, vimos cenas de médicos e enfermeiros colapsando física e emocionalmente, na Europa e nos EUA.

Um ano depois, aprendemos muito pouco ainda sobre o vírus e suas variantes. Muitos países entraram numa competição benfazeja para produzir vacinas e, de fato, em tempo recorde, temos muitas disponíveis. Em alguns países, elas estão realmente fazendo a diferença como em Israel, o primeiro a reduzir drasticamente o contágio, as hospitalizações. Por lá, a vida está quase normal.

Em nosso país, entretanto, estamos lidando com o pior momento possível. Por um lado, ostentamos tristes recordes de mortes diárias; por outro, as equipes de saúde, em particular os médicos, têm sido forçados a lidar com a sobrecarga de trabalho, com a falta de material, de oxigênio e são duríssimas as decisões sobre o que fazer com pacientes em quadros gravíssimos.

Apesar do cenário sombrio e da verdadeira provação que os profissionais de saúde têm vivido, todos somos testemunhas da impressionante entrega e dedicação daqueles que, sem exceção, estão na linha de frente dos cuidados aos pacientes. A despeito dos prejuízos pessoais, eles têm se mantido firmes e comprometidos, numa admirável comprovação daquilo que costumamos chamar sacerdócio profissional. Por isso, principalmente, da próxima vez que encontrar um médico ou uma médica, diga-lhe algo gentil e motivador. Agradeça, em nome de todos, por eles existirem e por serem instrumentos de graça e de cura.

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado em O Estado do MA, em 17/04/2021

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