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Da aldeia para o mundo
Houve uma época – não muito distante – em que jovens, a determinada altura da vida, precisavam se despedir de suas casas, amigos e familiares, para prosseguirem em busca do sonho da qualificação e progresso nos estudos. Despedidas chorosas, corações apertados e o mundo conhecido era deixado para trás pelos que rumavam a novas jornadas.
A realidade – principalmente durante esses novos tempos já apelidados de pandêmicos – vem se alterando drasticamente e, se podemos enxergar nela algo de bom, é o encurtamento de distâncias, o esmaecimento de fronteiras e uma proximidade nunca vista antes, a despeito da virtualidade.
Discorro sobre o assunto a propósito da notícia que irradiou de alegria o coração dos italianos: a outorga do Nobel de Física ao cientista Giorgio Parisi, em razão de sua grande contribuição para o entendimento de sistemas físicos complexos, materiais desordenados e processos aleatórios. Ele dividiu a láurea com o cientista japonês Syukuro Manabe e com o alemão Klaus Hasselman.
Professor e pesquisador da Universidade de Roma La Sapienza, Giorgio Parisi é um entusiasta defensor da ciência em seu país. O mérito de Parisi é que, desde 2007, a Itália não tinha um nativo reconhecido com a distinção. Em entrevista, o físico brincou que até achava que fosse uma “pegadinha”, quando recebeu a ligação que o informou da premiação.
Nas diversas entrevistas concedidas após o anúncio de que ganhara o Nobel, chamou minha atenção a paixão demonstrada em sua fala por tudo o que diz respeito a seu país. Falou da necessidade de enfrentamento do que chamou “problema grave de natalidade”; da valorização dos contratos de trabalho de jovens e do estímulo à pesquisa em todas as esferas.
Outro ponto a se destacar é que Parisi nunca se afastou da Itália: sempre se manteve ligado à universidade onde leciona. Com uma carreira de atuação ligada aos movimentos sociais, é conhecido por suas ligações de ajuda aos imigrantes. Uma unanimidade daquelas que é rara no mundo: transita entre diversos pensamentos políticos e influencia o pensamento jovem das mais distintas correntes ideológicas. É muito querido pela comunidade estudantil, por seu entusiasmo e orientação sempre disponível. “Corrigir muito não é bom: cada um deve aprender a ser autônomo e, quando necessário, saber dar uma mão”, resumiu esse seu lado em entrevista ao jornal El País.
Nessa mesma entrevista, Parisi defendeu que não apenas os pesquisadores sejam porta-vozes da ciência, mas que ecos ligados ao planejamento e finanças façam coro uníssono para que a ciência possa navegar em mares tranquilos e que os pesquisadores tenham a segurança dos recursos necessários.
Como entusiasta da pesquisa, a fala de Parisi reforçou em mim a crença de dias melhores para a ciência em nosso país. Na Itália, o investimento na área ainda é pouco, o número de jovens vem decrescendo e o entrave da língua – quase não mais falada no mundo – constituem obstáculos para o crescimento científico. Mas o reconhecimento desse cientista pelo Nobel é um sopro de esperança e uma recompensa enorme pelos dias árduos vividos em prol da ciência.
Defendo mais investimento em ciência no Brasil; mais valorização dos professores e pesquisadores. Vislumbro o dia em que teremos um brasileiro destacado com tamanha honraria. Enquanto isso, sigamos. Criar projetos científicos e realizar nossas pesquisas para o mundo - a partir de nossa aldeia – é também uma forma de sonhar.
Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.
Publicado em O Estado do MA, em 15/10/2021