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Coração partido

publicado: 20/08/2023 04h00, última modificação: 20/08/2023 15h02
Artigo do reitor

A Medicina e, em especial, a cardiologia estão de luto. Deixou-nos o professor Haroldo Silva e Souza, uma das maiores referências nessa área que o Brasil já teve. E eu, em particular, perdi um grande amigo, um exemplo, um mentor.

Lembro que, ainda bem jovem, por volta dos 17 anos e às voltas com meu trabalho de coletar sangue como técnico do Laboratório Moraes, coube a mim fazer essa tarefa na residência de Haroldo, ali na Rua da Paz. Com minha maleta de frascos e seringas, tive acesso a uma família honrada e acolhedora, da qual me tornei amigo.

Um pouco depois, o destino me colocou novamente frente a frente com Haroldo, ele como professor, e eu como aluno, na Faculdade de Medicina. Nossos laços estreitaram-se ainda mais quando o convidei para ser meu padrinho de casamento, em dezembro de 1973. Neste instante, pesa-me lembrar que seu nome era um dos primeiros da lista de amigos que pretendia convidar para a missa de gratidão pelas bodas de ouro que vou comemorar em dezembro deste ano.

Mais tarde, ao regressar da residência em Nefrologia, qual não foi a honra que recebi de ser encarregado pelo próprio mestre de cuidar da saúde de seus pais! Éramos, nessa altura da vida, companheiros de jornada na senda asclepiana. Detentores de parte do saber, que é o universo do corpo humano, tornamo-nos intercambistas de informações em encontros que me renderam boas lições.

Lembro que, assim que me graduei, ele me chamou e disse: “Salgado, você aprendeu o básico. Agora tem que aprofundar seu estudo para ser médico”, com aquela voz própria de um Quíron moderno. Ato contínuo, presenteou-me com um livro de propedêutica médica, de Deep E. Manning. No livro, ele destacou, com caneta marca-texto, dois tipos de sopros (o de Austin Flint e de Carey Coomb) que queria que eu observasse, coisas raras, segundo ele, apenas para minha cultura médico-cardiológica. Um gesto de afeto que jamais vou esquecer. Até hoje, guardo o livro na minha biblioteca e o considero obra de inestimável valor.

Outra dádiva que alcancei foi ter sido seu confrade na Academia Maranhense de Medicina, na qual ele ocupou a cadeira de nº 17, fundada pelo médico Aquiles Lisboa, que mereceu de Haroldo uma pesquisa que deu origem a um livro sobre a trajetória daquele grande médico e político.

Haroldo era um mestre não apenas pelo conhecimento que detinha, mas, sobretudo, pela generosidade em compartilhar seus conhecimentos e pela riqueza no trato com os que tiveram a honra de tê-lo como amigo e professor.

Na condição de reitor da Universidade Federal do Maranhão, coube a mim a honra de homenageá-lo com o título de Professor Emérito, distinção que ele confessou ser a que ele mais se orgulhava na esteira de diversos outros reconhecimentos de que havia sido merecedor.

Na UFMA, ocupou ainda o cargo de professor titular do Departamento de Medicina e também foi membro do Conselho Universitário.
Em sua trajetória profissional, constam de sua formação a pós-graduação em Clínica Médica na Universidade Federal da Bahia e em Cardiologia no Hospital das Clínicas, na Universidade Federal de São Paulo, e também os desafios de ter sido diretor, em 1964, do Hospital Tarquínio Lopes, que foi o primeiro hospital-escola da UFMA.

Também abraçou o desafio de chefiar o departamento ambulatorial do hospital do INAMPS, que veio a ser depois o Hospital Universitário.

Haroldo Silva e Souza dedicou sua vida a cuidar dos corações alheios, agora, deixa nosso coração enlutado. Mas tenho certeza que também ficam milhares de corações gratos: de pacientes, de alunos, de amigos e de sua família, que tiveram a alegria de, por um breve instante, com ele conviver e aprender. À Ana Maria, companheira de uma trajetória de vida, com quem dividiu sonhos e projetos, estendo meu abraço solidário.

Que Deus traga consolo e conforto a todos nós. Como disse São Paulo, a morte é o último inimigo a ser vencido. Mas, pelo seu legado, Haroldo eterniza-se. Vencida está a morte do esquecimento e da distância.

Que os céus os recebam com honra e glória!

Que os céus o recebam com honra e glória!

Natalino Salgado Filho, MD.PhD
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

 

Revisão: Jáder Cavalcante