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Banquete literário e impressões médicas

publicado: 02/09/2022 11h55, última modificação: 02/09/2022 11h55
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Uma ocasião memorável foi a proporcionada pela nossa Academia Nacional de Medicina (ANM), quando do mais recente simpósio sobre Literatura e Medicina, organizado pelo Acadêmico Gilberto Schwartsmann, com o fito de proporcionar um espaço de invocação das representações médicas no universo da literatura.

Coube a mim discorrer no evento sobre essas inter-relações na obra de Josué Montello, Cais da Sagração, e seu personagem principal, o barqueiro Mestre Severino. No enredo, a aflição vai assomá-lo por causa da recomendação médica sincera do doutor Estevão, sobre o fato de que as viagens que o mestre empreendia em seu inseparável Bonança não seriam mais possíveis, sob pena   de causarem-lhe a morte.

Refleti com os confrades, a partir dos diálogos entre esses personagens, sobre ser a Medicina um engenho, mais que uma fronteira entre vida e morte, sobrevivência e existência. O médico vive no limiar desse drama de anunciar a finitude, mesmo que todos os dias se levante para a vida e para a cura.

Uma nota sobre o evento é cabível: alegrou-me o fato de constatar a intimidade de Schwartsmann com a obra montelliana. O confrade revelou detalhes do discurso de Josué quando do ingresso na Academia Brasileira de Letras, de sua passagem como reitor na Universidade Federal do Maranhão e até dos bastidores que cercaram a escrita da obra que escolhi para comentar. Nosso confrade, com notas sensíveis, tornou a obra e seu autor ainda mais interessantes, se é que isso seja possível. Mas a delicadeza de Gilberto operou esse feito.

Mencionei à ocasião que, se vivo estivesse, o jornalista, escritor e teatrólogo maranhense Josué Montello completaria este mês a idade de 105 anos. Acrescentei que a obra escolhida, Cais da Sagração, é considerada uma das melhores da língua portuguesa, tendo dado ao nosso escritor o Prêmio Intelectual do Ano em 1971 e o Prêmio de Ficção da Fundação Cultural de Brasília em 1972.

Àquela ocasião, tivemos ainda o prazer de ouvir a escritora Lúcia   Bettencourt acerca do tema “Doentes reais e Médicos Imaginários”, em Molière e Proust. A escritora discorreu também acerca de personagens médicos nas obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa e Luís Fernando Veríssimo e ressaltou o quanto era possível realizar tratamentos médicos em consonância com a tecnologia e o conhecimento disponíveis, apesar de todas as limitações da época.

O alheamento deliberado sobre a morte e a falsa certeza de que a vida nunca terminará é o mote de “As Intermitências da Morte” de José Saramago, tema da palestra do Acadêmico José Camargo, que mais uma vez nos brindou com reflexões brilhantes.

“Olhai os Lírios do Campo” de Érico Veríssimo foi a obra eleita pelo confrade Gilberto Schwartsmann para encerrar os debates literários, momento aproveitado para traçar um panorama político e social dos costumes da época e fazer paralelos com os preconceitos que ainda atormentam a todos nós.

Então, conforme nos lembra o moçambicano Mia Couto, é preciso falar de esperança todos os dias só para que ninguém esqueça que ela existe. Assim é a literatura, que deve ser incentivada, difundida e valorizada para que todos, independentemente de formação e conhecimento, possam ter acesso ao que nos religa aos demais seres que existem neste planeta: nossa condição humana.

 

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

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