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As profecias da sétima arte

publicado: 26/04/2022 08h18, última modificação: 26/04/2022 08h18
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 Com os recentes feriados, hora de atualizar o currículo cinematográfico e mais uma vez se surpreender com os lampejos proféticos que a sétima arte lança sobre a realidade. Recentemente foi a pandemia; agora, a tragédia da guerra que ocorre entre a Rússia e a Ucrânia. 

Diretamente relacionado ao conflito, interessantíssimo é o documentário Testemunhas de Putin”, que procura explicar o cenário político e econômico da Rússia que permitiu a ascensão de Vladmir Putin ao poder. Dirigido por Vitaly Mansky, há uma preocupação em montar um mosaico com imagens da época – incluindo Boris Ieltsin e Gorbachev – e com raras imagens de Putin em momentos prosaicos: numa piscina, em encontro com amigos e várias outras que têm o mérito de deixar o espectador à vontade para tirar suas próprias conclusões.

Um enfoque diferente sobre Putin é o documentário dirigido por Oliver Stone, intitulado “Entrevistas com Putin”, que adota uma linha que destoa da imagem com a qual frequentemente o presidente da Rússia é retratado. Segundo Stone, foi uma maneira encontrada de revelar, segundo ele, uma face desconhecida de Putin.Outro foi dirigido por Zaza Urushadze e passado na Ucrânia. Conta a história de dois garotos que cresceram durante a Revolução Russa, nos idos de 1919. As reviravoltas que aconteceram nessa região, as mudanças nas próprias vidas dos personagens, os dramas e preocupações são vívidos em “Tangerinas”.

Tristíssimo, mas muito real, é o filme “Os esquecidos”, que retrata o dilema de uma professora ucraniana forçada a dar aulas de russo. Ela coloca sua própria vida em risco para defender um jovem aluno que um dia hasteia uma bandeira ucraniana no telhado da escola e é preso. O filme traz um retrato fiel do dia a dia naquele canto do planeta em que pessoas comuns sofrem com situações que sequer somos capazes de imaginar.

Em “A sombra de Stalin”, de 2019, disponível em diversas plataformas de streaming – há um libelo perfeito para esse nosso cenário de pós-verdade em alerta constante quanto a fake news. Um jornalista divulgava notícias falsas sobre a extinta URS e é desmentido por uma colega sua, que arrisca a reputação para expor a realidade. Excelentes os diálogos e a reconstituição da realidade da época. Churchill, sempre lapidar, afirmou que uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir.
Poderia enumerar outras produções, mas creio que acima há um roteiro que nos permite enveredar por um caminho de entendimento – ainda que precário - dada a distância física e até emocional que nos separa do conflito neste momento de guerra travada.

Uma guerra traz inúmeras perdas e tragédias, algumas das quais sequer serão reveladas imediatamente. Como ecos, ressoam por vários anos e atingem pessoas em locais muito distantes de onde foi o foco. Mas também é oportunidade para aprendizado e superação, material para reflexão e evolução humana e celeiro de produções artísticas que se nos apontam para a necessidade de correção de rumo.

Cada diretor empresta de si mesmo algo à sua produção. Cada fala, cada cena e personagens são apenas recortes das mais diversas visões que poderiam ser adotadas. Mas o cinema – essa máquina fantástica de fabricar sonhos e aríete contra mentes adormecidas – está sempre um passo à frente daquilo que um dia ainda vai se materializar.

A guerra que hoje sangra o planeta foi, digamos assim, em algum momento profetizada na tela, assim como esse nosso mundo de disrupção da verdade. Nossas maiores e mais letais armas talvez sejam permanecer com os ouvidos atentos, olhos abertos e uma capacidade enorme para aprender. Enquanto isso, além de viver, que aprendamos a ver a vida com seu futuro de alguma forma armazenado e a nosso dispor, em diversas plataformas de streaming.

 

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

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