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Antecipamos o futuro

publicado: 11/01/2021 15h33, última modificação: 11/01/2021 15h33

Os antigos costumavam dizer que não há mal que não traga um bem. Refiro-me às inúmeras consequências, também benéficas, causadas pela pandemia gerada pelo coronavírus. Sim, por mais espantoso que possa parecer, mesmo em meio a um cenário de caos e de terror, conseguimos enxergar algo bom.

É inconteste:  a Covid19 acelerou, em alguns anos, a evolução digital de muitas empresas, instituições, escolas, faculdades e até de relacionamentos. Encurtou ainda mais as distâncias, aproximou as pessoas, impediu que negócios falissem e permitiu que milhões de estudantes e professores seguissem adiante mesmo em meio à incerteza. Dir-se-ia estar em curso uma revolução digital.

O escritor israelense Yuval Harari, notabilizado como um dos profetas deste novo mundo, lançou um livro com a coletânea de alguns de seus artigos, escritos na revista Time e também nos jornais Financial Times e The Guardian, intitulado Notas sobre a Pandemia. Nele, Harari traça um cenário apocalíptico em seus escritos, mas também sopra esperança, ao afirmar que a cooperação global, numa imensa rede invisível que a tecnologia proporciona, é capaz de nos salvar do egoísmo e, ainda, de quebra, preservar a humanidade.

Mas essa realidade não é nova. Basta lembrar que, após a segunda guerra mundial, além da herança de mortos, mutilados e feridos – sem contar com o desastre ocasionado nas economias dos países diretamente envolvidos – também fomos contemplados com as invenções do micro-ondas, do GPS, das câmeras digitais, do controle do tráfego aéreo, da produção em larga escala dos antibióticos, dos serviços de ambulância, dos computadores e da internet.

Estudiosos de tendências dizem que, de saída, já podemos contabilizar três grandes inovações tecnológicas que passaram a fazer parte de nossas vidas de maneira irreversível: o home office, a inteligência artificial, e o planejamento flexível, ou seja, a projeção de cenários que já leve em conta as alterações bruscas que podem ocorrer no meio da execução.

Ouso ir além. Daqui para frente, nossos dados serão cruzados com muito mais rapidez e facilidade, para alegria das redes sociais que vendem nossas informações pessoais para as grandes corporações e nos ditam, de maneira imperceptível, como devemos nos comportar e falar. Sim, o documentário “O dilema das redes” alterna ficção e realidade, mas esta é ainda mais impressionante do que a tela consegue mostrar.

As entregas automatizadas, os deliverys de toda sorte e o atendimento virtual de profissionais da área da saúde permitem uma vida quase que em total isolamento – e, digo quase, porque o menor contato com o entregador ainda é necessário, pelo menos até que os drones assumam completamente esse processo. Não esqueço também de mencionar as impressões em 3D, as assinaturas digitais, as audiências e perícias virtuais, as reuniões mediadas pelas ferramentas zoom e google meet. E não para por aí: estão a caminho a internet 5G, o wifi 6, a expansão do blockchain, carros mais inteligentes e casas regidas pelos auxiliadores digitais.

Em meio a tudo isso, existem pessoas com dramas e necessidades reais. Nunca podemos perder de vista o que a bússola da dignidade da pessoa humana aponta. O mundo vai continuar avançando, celeremente, em tecnologia e inovação, tão necessárias a todos os que aqui vivem. Mas o foco deve ser a melhoria da qualidade de vida e sua preservação e a solidariedade entre todos. Esses são valores atemporais.

Não há nada de novo sob o sol, já alertou Salomão, em Eclesiastes. Prever significa ver o presente e o passado como movimento – a frase é de Gramsci. Acredito que antecipamos o futuro. Estamos vivendo uma reorganização do cotidiano que tem nos surpreendido.  Mas o que nos ajudou a chegar até aqui como humanidade não deve ser esquecido.

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado em O Estado do MA, em 09/01/2021