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Alerta que cai como folha

publicado: 23/09/2022 10h12, última modificação: 24/09/2022 16h59
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As mudanças climáticas pelas quais o nosso planeta atravessa não são recentes, mas a velocidade com que elas têm acontecido é de um ritmo assustador e premonitório até. Leio nos jornais de fora do país que o verão europeu atingiu altíssimas temperaturas. Foi um dos mais quentes já registrados e isso em comparação com o de 1884, ano em foi registrado fenômeno semelhante.

No Reino Unido, por sua vez, as temperaturas ultrapassaram os 40°C, ocasionando a seca de rios e uma série de incêndios nas florestas e lavouras. Resultado? Uma seca como não se viu desde 1976, conforme atestaram os dados dos órgãos responsáveis para medir a meteorologia do país.

Reportagem recente da BBC informa que ocorreram cerca de 745 incêndios florestais naquela região, um aumento na casa de 200% em comparação aos que ocorreram no ano passado, que foram 247. Só na última quinzena de agosto deste ano, foram 150, um número impressionante.

Outras vítimas lamentáveis são os vinhedos do continente europeu, que têm produzido cada vez menos e com qualidade inferior, ocasionando uma impensável mudança geográfica para os vinicultores que passaram a plantar em regiões antes improváveis como o sul da Suécia, Dinamarca, Canadá e, até mesmo, partes da Noruega, locais considerados extremamente frios e onde não seria possível em décadas passadas sequer pensar em plantar e colher uvas.

No Paquistão, o problema é outro. Moradores desse país sofrem com a devastação ocasionada por inundações que mataram mais de mil pessoas. De novo, a origem do problema é atribuída às mudanças climáticas, sem contar com o deslocamento involuntário de 1.2 milhão de pessoas, tiradas de suas casas sob o risco de desabamento.

Penso que, da mesma forma como sobrevivemos à pandemia, a palavra da vez é a adaptabilidade e a capacidade de cada país absorver os impactos e continuar resiliente. Como sempre, a ciência é uma aliada indispensável nessa nova fase de nossa existência. Os estudos e o monitoramento constante dos efeitos da mudança climática não devem ser ignorados, assim como a adoção por parte dos governos de investimentos e de políticas públicas em um futuro ainda mais verde.

É inconteste que nosso ecossistema, cada vez mais degradado, tem afetado e prejudicado a capacidade da natureza de amenizar a força das mudanças climáticas. Sem recursos para enfrentamentos, todo problema tende a aumentar, seja ele físico, emocional, financeiro e, agora, ambiental.

Ignorar a realidade que nos cerca é comprometer não mais o futuro, mas o próprio presente no qual estamos inseridos. A nossa segurança alimentar depende desse novo quadro e, principalmente, do respeito aos direitos dos povos das florestas, que experimentam primeiro do que nós toda essa tragédia ambiental.

As folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes, ensina o poeta Manoel de Barros, que transformou a riqueza do Pantanal em versos. O poeta que tanto cantou e decantou o meio ambiente também afirmou que natureza é como a força que inunda os desertos. Se estivermos ouvidos e olhos atentos, poderemos nos preparar para evitar perdas maiores para uma coexistência saudável e pacífica com os demais seres deste planeta.

Os sinais prenunciam tempos ainda piores. Mas a esperança, essa última hóspede da caixa de Pandora, está sempre ali por perto a nos lembrar que, se quisermos, poderemos mudar o cenário. Que esta crônica seja como uma folha que cai das árvores. Sem alarde. Mas com o sentimento de que estão chegando tempos possivelmente devastados, caso o silêncio da omissão prevaleça.

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

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