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Ainda nos parece estranho

publicado: 13/07/2022 13h20, última modificação: 13/07/2022 13h20
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Um feito inimaginável e há muito sonhado pela humanidade está prestes a acontecer. Notícia divulgada pelo jornal El País informa que as grandes empresas de tecnologia estão desenvolvendo uma forma de tornar a existência humana mais prolongada, pelo menos no meio virtual.

Trata-se de um mecanismo que permite apreender a voz e a imagem de cada um dos usuários desta grande rede, de forma autorizada, para que, mesmo após o encerramento da vida terrena, esses dados possam ser utilizados para os mais diversos propósitos na web.

A princípio, pode parecer estranho. Mas depois, de forma racional, a ideia não parece tão estapafúrdia assim. Imagine que alguém autorize em vida o uso desses elementos e que, após sua morte, garantido por essa autorização, empresas e instituições possam continuar lucrando em cima da imagem e da voz de pessoas famosas falecidas.

Imaginem a continuação de filmes e séries com atores icônicos. Vozes que tornaram jingles inesquecíveis, que estamparam comerciais queridos, que embalaram canções marcantes. Esse é apenas um dos usos que me vem à mente agora. 

Sei que antecipar o futuro é tarefa de profetas, videntes e analistas de tendências. Mas, mesmo em meio a tanto avanço, ainda nos surpreendemos com previsões e práticas destes novos tempos que sequer os livros e filmes de ficção científica são capazes de adiantar.

Por outro lado, tantas possibilidades assustam. Para além dos nossos dados que já se encontram aí disponíveis para a mercantilização em troca do uso de e-mails gratuitos, plataformas de comunicação prometem tornar nossas conexões mais estreitas em vitrines virtuais que insistem em nos aproximar de quem de fato importa, tornando-nos a todos produtos a partir dos quais as empresas faturam e muito.

E, aos poucos, vamos abrindo mão da privacidade em troca de mais acesso; afrouxamos as rédeas de nossa intimidade em prol da segurança. O mercado, essa entidade disforme e sem rosto, a todos iguala em troca de lucro.

São questões éticas que temos que refletir: de um lado, a célere facilidade que a tecnologia nos oferece. Do outro, a última fronteira humana, o que nos distingue uns dos outros e que nos singulariza. Em seu mundo fantástico, H G Wells faz vários questionamentos. Ainda não há respostas, mas as reflexões podem nos chegar até elas.

Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina

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