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A magia ainda persiste

publicado: 01/05/2021 08h00, última modificação: 30/04/2021 11h42

Como tudo nesses últimos tempos, a pandemia também afetou a sétima arte. Os cinemas no mundo todo foram esvaziados, e as grandes produções apelaram para as plataformas de streaming, para poder falar ao coração do público.

Até a tradicional cerimônia de entrega do Oscar – este ano, em sua 93ª versão, organizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood – reuniu, no último domingo, dia 25, um público seleto e reduzido de apresentadores e indicados. Apenas alguns convidados puderam conferir de perto a atração. 

À escolha dos jurados, algumas boas produções disponíveis para assistir, garantem o investimento no ingresso, se é que se pode falar assim. A despeito dos vencedores, vale a pena comentar acerca de alguns filmes que concorreram este ano em diversas categorias. São, eu diria, raios de sol nessa tempestade pandêmica. Possuem a graça de nos tirar, por poucos momentos, da dura realidade na qual estamos inseridos.

Vou iniciar com os 7 de Chicago, que retrata a evolução do que era para ser um pacífico protesto de jovens americanos contra a Guerra do Vietnã e se transforma numa acusação de que seus organizadores poderiam estar, de alguma forma, conspirando contra o governo dos Estados Unidos, a qual os leva ao tribunal. Não vou dar spoiler, mas é impressionante a figura caricata do juiz que age como um plenipotenciário e manipulador e de como certos preconceitos não mudaram com o decorrer dos anos. Algumas cenas divertidas, frases lapidares e a sensação de que, se não formos cuidadosos, a história sempre se repetirá. Não há heróis nem bandidos. Há circunstâncias. Há causas. E o espectador logo se identifica com os personagens, variados em sua forma de ser e agir, reflexo da própria realidade.

Outro bom título é Mank – que disparou com seis indicações ao Globo de Ouro de 2021 – e foca num recorte da vida de Herman Mankiewicz, interpretado por Gary Oldman, o roteirista por trás de um dos maiores sucessos do genial cineasta Orson Welles, o filme Cidadão Kane. Mas o longa não se reduz apenas a esse aspecto. Filmada toda em preto e branco, a película é um passeio pela indústria do cinema em seus áureos tempos. Entendedores estenderão uma série de referências aos grandes estúdios – e às caríssimas guerras travadas por sucessos – fogueira de vaidades, economia e política como acirradores de ânimos e a busca incessante do ser humano pelo estrelato.  

A voz suprema do Blues, adaptação de uma peça de teatro escrita por August Wilson, deixa um legado por ser uma das últimas atuações do ator Chadwick Boseman, mundialmente famoso por encarnar, nos cinemas, o lendário Pantera Negra. Na pele de um trompetista falastrão e cheio de gingado, Boseman contracena com uma equipe de músicos e com a excelente Viola Davis, que interpreta a diva do jazz Ma Rainey. Os diálogos são espetaculares e os fatos se desenrolam nos anos 20. O drama de preconceito contra mulheres, negros e trabalhadores, de forma em geral, é coadjuvante das cenas.

Todos os filmes comentados estão disponíveis na plataforma Netflix – e aqui nem comento sobre Rosa e Momo, que nos ratifica esse talento estrondoso que atende pelo nome de Sophia Loren - pois faltar-me-ia tempo para discorrer acerca de outros tão bons, quanto aqueles sobre os quais falei, disponíveis nas demais plataformas, a exemplo de “Meu pai”, que deu o Oscar de melhor ator a Anthony Hopkins, disponível no Now e Google Play; e “O som do silêncio”, disponível no Amazon Prime, que faturou prêmios de melhor montagem e som.

A despeito do avanço da tecnologia – e das inúmeras possibilidades de acesso que ela nos proporciona ao humor, ao drama, ao policialesco, ao retrato da vida de famosos e desconhecidos – algo nunca mudará: a capacidade que todo ser humano tem, que independe de credo ou condição econômica, de se emocionar, se comover e se identificar com histórias reais ou ficcionais. Essa é a magia que o filme, seja curto ou longo, nos proporciona. Sábio Ferreira Gullar, ao afirmar que “a arte existe porque a vida não basta”.

Natalino Salgado Filho
Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina.

Publica em O Estado do MA, em 01/05/2021

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