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A igreja no contexto da independência
A academia FIDES ET RATIO da Arquidiocese do Rio de Janeiro, comemorou, no último dia 10, o bicentenário da independência brasileira, com mais uma edição de um Simpósio sobre “O papel da Igreja na Independência do Brasil”, com uma palestra extremamente interessante do padre Eraldo Leão, Mestre em Teologia da PUC-Rio e Doutorando em História Social pela UFRJ.
Foi uma tarde memorável, na qual o palestrante resgatou parte da história da igreja católica no que diz respeito a Portugal e Brasil, quando este ainda era colônia e depois império. Depois de uma condução por fatos pitorescos da época, o padre Eraldo Leão afirmou com clareza que coube à igreja o papel de contribuir para o sentimento de brasilidade e de pertencimento a esta nação que estava nascendo, por meio dos diversos padres espalhados pelo país que, em suas prédicas, sedimentaram no coração dos súditos do novo império.
Da fala do palestrante, fomos informados de que, desde o início do trabalho de evangelização em terras brasileiras, os jesuítas se dedicaram a trabalhar também a educação tanto para alunos índios como para alunos descendentes de portugueses, numa iniciativa inédita para a época.
O palestrante informou que as ligações entre a coroa portuguesa e a igreja remontam aos idos da independência daquele país, por volta do século XII, quando ambas se unem para retomar a fé dos cidadãos, num território dominado pelos mulçumanos. É dessa época que ouvimos falar da atuação da ordem dos templários e diversas outras ordens cristãs e militares. A partir do século 15, a Coroa resolve empreender a conquista de outros povos na costa do Atlântico e em países africanos, para expandir a fé e o reino em terras ultramarinas.
Com essa iniciativa, a igreja foi se instalando e evangelizando povos nunca alcançados, com a introdução de um novo culto e uma nova fé. A atividade religiosa na chamada América Portuguesa era coordenada pela Mesa da Consciência e das Ordens e a igreja atuava em duas frentes: pelo clero secular, que incluía paróquias e bispados e pelo clero regular, com trabalho missionário e atividades sociais.
Era a igreja, no entendimento de Padre Eraldo, uma espécie de agente intermediário entre a coroa e os súditos. Além dos tribunais civis, existia também os tribunais eclesiásticos para apreciar as causas. No ano da independência, 1822, a Igreja dava conta de que existiam aproximadamente 4 milhões de almas, que era como se fazia a contabilidade da época, 1 arcebispado, 6 bispados e 2 prelazias e cerca de 600 paróquias com 6500 fiéis, enquanto que, em Portugal, eram 850 fiéis por paróquia.
No contexto da independência, o catolicismo era um elemento da identidade nacional, atrelada à supremacia do Estado. Foi de dentro da igreja, lembrou o Padre Eraldo, que começaram a surgir vozes em favor da independência. Entre elas, a voz de Frei Caneca, um dos líderes da Revolução Pernambucana contra a dominação portuguesa em 1817 e a de Joana Angélica, que morreu defendendo o convento da Lapa pelos revoltosos portugueses, que não aceitavam o fim da submissão à coroa.
Também citou outros importantes nomes, a exemplo de franciscanos cariocas, como Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, influência próxima ao imperador, visto ter muita amizade com Dom Pedro I; Dom Jose Caetano da Silva Coutinho, que presidiu a coroação de Dom Pedro I e também presidiu a Assembleia Nacional Constituinte de 1823. Também não menos importante foi o papel de Dom Mateus de Abreu Pereira, com suas ideias inovadoras.
Na Constituição de 1824, o catolicismo era a religião oficial e o padroado era mantido, ou seja, o imperador nomearia bispos. Mesmo com a independência, a Santa Sé achou melhor aguardar, com prudência, o reconhecimento internacional. Em 1824, numa missão de aproximação, o Monsenhor Vidigal vai para Roma e lá é recebido pelo papa em 1826, pelo fato de, em 1825, Portugal ter reconhecido a independência do Brasil.
A partir daí, comentou Padre Eraldo, a igreja reorganiza todo seu corpo eclesiástico no Brasil e se consolida como estabilizadora dessa nação, como uma grande consciência nacional e legitimadora do novo império. A igreja, disse o Padre, foi a responsável pela assimilação do rito do Ipiranga, unindo corações discordantes e apaziguando ânimos.
Passados dois séculos, importante ouvir vozes diversas acerca deste imenso Brasil que nos foi legado. A história sempre tem muitas vozes e ouço dizer que cada uma tem sua parte de razão.
Natalino Salgado Filho
Reitor da UFMA
Professor Titular da UFMA
Médico Nefrologista
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Nacional de Medicina