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Doutoranda em Políticas Públicas apresenta tese sobre o “White Paper on Arts, Culture and Heritage”, documento histórico que redemocatrizou a África do Sul

publicado: 17/01/2023 12h21, última modificação: 17/01/2023 14h25

Aldina da Silva Melo, doutoranda em Políticas Públicas pela UFMA, apresentou, na quarta-feira, 11, sua tese, que traz reflexões a respeito das transformações, impasses e perspectivas presentes no debate sobre as políticas públicas culturais na África do Sul, perpassando sobre a relação entre Estado e cultura no país no processo de redemocratização após o Apartheid, tomando como principal foco o documento “White Paper on Arts, Culture and Heritage”.  

O objeto de estudo da aluna foi redigido após o Apartheid, regime político que se pautou na segregação racial e esteve em voga na África do Sul de 1948 a 1994, sustentado por um partido político de extrema-direita, em que o acesso à educação, saúde e a oportunidades de crescimento da população negra sul-africana foram gradativamente retirados para fomentar privilégios da minoria branca da população. Isso ocasionou que a população negra vivesse em locais segregados, e o regime definiu a diferenciação de grupos raciais no país, minando os direitos da população negra ao longo dos anos.

O documento político teve a primeira edição em 1996, dois anos após o fim do regime, durante o mandato do presidente Nelson Mandela; a segunda, terceira e quarta edições são de 2016 e 2017, na gestão do presidente Jacob Zuma. “A justificativa para o recorte temporal dessa pesquisa se conecta diretamente ao período de construção e reedições do White Paper, posto que este documento se tornou referência nacional para a elaboração de qualquer política cultural na África do Sul nos primeiros anos de sua democracia”, descreveu Aldina.

O White Paper estabeleceu os princípios gerais norteadores para a política cultural na África do Sul baseado na ideia de uma nação de todos e para todos, contribuindo para a reinvenção da identidade sul-africana, diferenciando-se da imposta pelo regime do Apartheid. Além disso, alinhou a política do governo para estabelecer os arranjos de financiamento ideais e estruturas institucionais para a criação, promoção e proteção das artes, cultura, patrimônio da África do Sul. É inspirado nas melhores tradições das sociedades democráticas em todo o mundo, onde essas características são valorizadas em si mesmas e valorizadas por sua contribuição para a qualidade de vida.

É descrito como missão do Department of Sport, Arts and Culture na África do Sul pós-Apartheid o lema “Desenvolver, preservar, proteger e promover artes, cultura e patrimônio”. Esses ideais aparecem muito fortemente no White Paper, assim como as palavras “colonização”, “segregação racial”, “apartheid”, “preto”, “branco”, “cultura” e “rainbow nation” (do inglês: nação arco-íris, referindo-se à diversidade étnica do pais e um desejo de uma nação na qual os povos de diferentes etnias e raças conviveriam sem discriminação), todas conectadas à resistência negra contra as políticas de segregação do Partido Nacional, que esteve vigente no país.

Nesse sentido, o Governo Sul-Africano passou a apoiar e incentivar as artes, a cultura e o patrimônio, valorizando a diversidade e fomentando a atividade econômica, além da diversidade linguística do país como um recurso para capacitar todos os sul-africanos a participar plenamente da vida social, política e econômica do país e contribuir para o desenvolvimento equitativo e a preservação das experiências, heranças e símbolos da África do Sul. “Por isso essa política foi construída coletivamente com várias pessoas de diferentes áreas, a exemplo de intelectuais do campo da cultura, políticos, burocratas, participantes/brincantes de manifestações culturais e movimentos sociais, visando à melhoria da qualidade de vida da população sul-africana, à promoção da equidade social e ao combate a qualquer tipo de discriminação racial”, explicou Aldina.

A pesquisadora conta que iria retornar à África do Sul para a segunda etapa de pesquisa de campo, mas, com a pandemia da covid-19 e o fechamento das fronteiras de vários países, inclusive a África do Sul, teve que usar, para a análise, a documentação que já havia coletado na primeira ida a campo, antes da pandemia, e a documentação a que teve acesso no site do Ministério da Cultura, Arte e Patrimônio da África do Sul.

Conforme explicou a pesquisadora, a tese se estruturou teórica e metodologicamente na interface das discussões do campo dos estudos africanos, que faz parte de um projeto abrangente de acumulação do conhecimento iniciado e controlado pelo Ocidente e denunciado por vários intelectuais africanistas, tendo sido uma área fundamental para outra compreensão da África, não apenas como objeto de pesquisa, mas como local de produção de conhecimento.

O estudo também utilizou as “epistemologias do sul”, que tiveram sua importância por partir da pluralidade epistemológica do mundo, analisando como o conhecimento foi estruturado e como as epistemologias vigentes dividiram o mundo em termos de superioridade e inferioridade. Pautou-se também no campo da história e da antropologia social inglesa, que dão amparo para problematizar a cultura diferente nas abordagens essencialistas ou do multiculturalismo.

“A intenção da tese, com base na mobilização desses três campos metodológicos, foi situar a cultura como espaço de conflitos, contradições, reivindicações de direitos sociais, como locus para perceber os diferentes modos de pensar, sentir e se inserir no mundo de sujeitos ‘subalternos’”, explanou.

Saiba mais

Aldina é filha de trabalhadores rurais do interior do Maranhão e dedicou seu título de doutora a eles. “Meus pais, Vanusa da Silva Melo e Francisco Lustosa de Melo Neto, são, para mim, exemplo de força e coragem, tão necessárias para sobreviver neste mundo ainda permeado por tantas desigualdades sociais”, afirmou.

Por: Juan Terra

Revisão: Jáder Cavalcante

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