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Pesquisa da UFMA, Fio Cruz e Universidade de Southampton analisa saúde sexual de venezuelanas no Brasil

publicado: 24/10/2023 14h39, última modificação: 24/10/2023 17h25
Estudo foi realizado entre os anos de 2020 e 2023.
Pesquisa da UFMA, Fio Cruz e Universidade de Southampton analisa saúde sexual de venezuelanas no Brasil

Desde 2016, a Venezuela vive uma crise humanitária sem precedentes, marcada pela fome e falta de acesso à saúde. Desde então, mais de 7 milhões de venezuelanos já deixaram seu país em busca de melhores condições de vida. Até janeiro de 2023, o Brasil recebeu, no total, cerca de 414.000 refugiados e migrantes venezuelanos. 

Considerando que os efeitos da crise na população feminina, o estudo multicêntrico “Necessidades e desafios relativos à saúde sexual e reprodutiva de mulheres adultas e adolescentes migrantes”, que é o recorte brasileiro de um projeto mais amplo chamado ReGHID – Redressing Gendered Health Inequalities of Displaced Women and Girls in Contexts of Protracted Crisis in Central and South America, revela as condições do processo migratório e os impactos da migração forçada sobre a saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes. 

A coordenação geral do ReGHID é realizada pela professora pesquisadora de Saúde Global da Universidade de Southampton, Pia Riggirozzi. A equipe da ENSP-Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), coordenou o estudo no Brasil.  

O estudo foi desenvolvido com metodologias mistas de pesquisa, utilizando abordagem qualiquantitativa, entre 2020 e 2023. Os dados foram coletados em Pacaraima (RR), e em três capitais — Boa Vista (RR) e Manaus (AM) —, por concentrarem os maiores números de migrantes venezuelanos no país, bem como São Luís (MA), haja vista que a rota de migração no Nordeste vem assumindo grande importância na mobilidade de migrantes da etnia indígena Warao. Note-se que apenas a pesquisa qualitativa foi realizada no Maranhão.

Segundo Zeni Lamy, professora da UFMA e uma das coordenadoras da pesquisa, “o objetivo era produzir conhecimento sobre a situação das mulheres venezuelanas migrantes no Brasil e na América Latina, porque a pesquisa também foi realizada em outros países, mas também promover discussões para a produção de mudanças de incorporação das necessidades dessa população nas políticas de saúde, compreendendo que a migração hoje é um fenômeno global”, pontuou.

Dados do ReGHID

Os dados quantitativos apontam que os principais motivos referidos pelas mulheres para emigrar foram: dificuldade de conseguir alimento (54%); dificuldade para acessar assistência à saúde (37,8%); violência e insegurança (27,3%) e busca por trabalho (23,2%). 8% delas já chegaram ao país grávidas. A maioria das mulheres entrevistadas no inquérito quantitativo é jovem, entre 24 e 35 anos de idade (sendo 14% adolescentes), com ensino médio completo, e autodeclaradas pardas (66%), com companheiro (61%) e alta fecundidade.

As mulheres e adolescentes, sobretudo as migrantes forçadas, são especialmente vulnerabilizadas pelas condições de risco sofridas durante o deslocamento, em locais de fronteira e em assentamentos, o que representa desafios para a saúde reprodutiva e sexual já comprometida em seu país de origem. 

Nesse cenário, apenas 47% das venezuelanas no Brasil usam algum método contraceptivo, enquanto, entre as brasileiras, a média é de 80%. O percentual das estrangeiras se manteve estável em relação ao comportamento delas enquanto ainda estavam na Venezuela. A pesquisa mostra ainda que 63% das migrantes ativas sexualmente não utilizaram preservativo masculino nenhuma vez nos últimos 12 meses e 53% relataram usar algum contraceptivo, sendo o injetável o método mais recorrente. 

Os relatos ainda evidenciam que as necessidades dessas mulheres vão além do acesso e uso de preservativos, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis e pré-natal. Foram destacadas também necessidades de informação em geral e sobre planejamento familiar de maneira mais profunda, bem como sobre os prós e contras dos muitos métodos contraceptivos.

De uma forma geral, os resultados do ReGHID indicam a necessidade de melhorar o atendimento às populações migrantes, respeitando as diferenças culturais, linguísticas, étnico-raciais e econômicas e de gênero.

“A perspectiva é que os dados da pesquisa sejam incorporados para a promoção de políticas de saúde. Nós já fizemos eventos como este, que chamamos de devolutivas, envolvendo o poder público, as instituições de saúde, as instituições sociais, justamente buscando envolver os gestores.“, aponta Zeni, indicando a expectativa para os próximos passos após a ampla divulgação do estudo.

Confira a pesquisa completa aqui.

Migração, Gênero e Saúde

Em São Luís, a pesquisa foi apresentada durante o evento “Migração, Gênero e Saúde: por uma Política Intersetorial e Interseccional para Migrantes”, que aconteceu na UFMA, nos dias 16 e 17 de outubro. Com base nos dados obtidos com o estudo e suas conclusões, durante os dois dias, a situação de mulheres migrantes venezuelanas no Brasil foi discutida a fim de gerar propostas e recomendações com vista ao desenvolvimento de estratégias de enfrentamento para esse desafio, que tende a ser coletivo.

Por: Ingrid Trindade

Revisão: Jáder Cavalcante

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