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História sobre “O crime da Baronesa de Grajaú” é retratada sob nova perspectiva em artigo produzido por professor de História do Câmpus de Codó, em parceria com professora da USP

publicado: 17/03/2022 14h17, última modificação: 23/03/2022 13h31

Dois irmãos escravizados aparecem mortos em circunstâncias duvidosas. A morte do primeiro não é investigada. Na morte do segundo, a mãe das crianças exige que o caixão seja aberto, e a hipótese de assassinato é levantada, devido às condições do corpo. O caso ocorreu no Maranhão no século 19, mais precisamente em 1876, e até hoje é objeto de estudo de diversos pesquisadores. Nomeado como “O crime da Baronesa de Grajaú”, o caso é amplamente conhecido e faz parte da história do estado.

O caso serviu de base ao artigo “Geminiana e seus filhos: escravidão e morte; maternidade e infância na São Luís (MA) da década de 1870”, escrito pelo professor e pesquisador do Câmpus Codó Antônio Alexandre Isidio Cardoso, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Social dos Sertões (NephSertões), junto com a professora e pesquisadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, da Universidade de São Paulo (USP), que também é professora visitante da Universidade de Reading, no Reino Unido.

Os relatos históricos contam sobre o comportamento violento de Anna Rosa Viana Ribeiro com seus escravos, também chamada de Baronesa de Grajaú, que compra duas crianças como “presentes” para seus filhos. Pouco tempo depois, em outubro de 1876, o irmão mais novo, chamado Jacinto, é dado como morto, porém a causa da morte não é investigada. Menos de um mês depois, em 14 de novembro, ocorre antes do sol nascer uma tentativa de um enterro clandestino, com caixão fechado no centro de São Luís. Geminiana, mulher preta que havia acabado de comprar sua liberdade e mãe dos meninos, desconfiada, exige que o caixão seja aberto. Ali descobre seu filho mais velho, Inocêncio, morto com sinais de tortura por todo o corpo.   

Devido ao estado do corpo e o histórico comportamental da baronesa, é aberto um inquérito para investigar a morte de Inocêncio. Sob o comando do promotor Celso Magalhães, Anna Rosa é presa, processada e levada a júri popular para julgamento por homicídio. Apesar das evidências de tortura e dos testemunhos, é absolvida pelo júri, em 1877. O promotor tenta recorrer, mas não obtém sucesso.

A condenação da baronesa não era algo possível na época, por causa da sociedade elitista que compôs o júri e a configuração geral da sociedade, que apenas começava a mostrar indícios de sair do regime escravagista. Magalhães foi demitido anos mais tarde, por Carlos Fernando Ribeiro, marido de Anna Rosa, quando este se tornou presidente da Província do Maranhão, em 1878. Apesar de não ocorrer a condenação, o caso foi um grande escândalo na sociedade da época e ficou marcado na história pela crueldade e por Anna ter sido presa e levada a julgamento, apesar de sua posição social.

Hoje, várias perspectivas e problemáticas a respeito do ocorrido são debatidas por historiadores e pesquisadores. No artigo “Geminiana e seus filhos", Antônio Alexandre Cardoso e a professora e pesquisadora Maria Helena Pereira (foto) abordam a história do crime por uma perspectiva que tem como foco principal o papel de Geminiana, na descoberta do crime e luta por justiça, retratando também a avó das crianças e mãe de Geminiana, dona Simplícia, que denunciou a baronesa por suas ações violentas antes mesmo da morte das crianças.

O professor afirma que o artigo foi pensado e produzido por meio da reconstituição dos fatos, com base nas fontes — jornais e relatos da época — que inseriam as duas mulheres na narrativa do acontecimento, focando também na perspectiva dos subalternizados sobre a perspectiva das camadas trabalhadoras de São Luís, das quais elas faziam parte. Também busca ressaltar essas mulheres que, em geral, segundo o docente, ficaram esquecidas nos relatos dessa história.

“Esse caso é muito estudado na perspectiva do crime, da conduta violenta dessa senhora Anna, que é inegável. Também é muito estudado sob a perspectiva da atuação do promotor, Celso de Magalhães, que acusou essa senhora em juízo. Mas, essas duas mulheres praticamente somem da perspectiva da pesquisa, e as vozes delas aparecem de maneira muito pequena, muito suscinta dentro do debate do caso. Nós achamos que é fundamental incluir nesse caso as vozes dessas personagens, que estavam diretamente envolvidas, implicadas diretamente na dor de ver essas duas crianças mortas”, explanou o docente.

Coletânea

O artigo foi recentemente publicado no livro “Ventres Livres? Gênero, maternidade e legislação.”, que se trata de uma coletânea organizada pelos historiadores Maria Helena Pereira (USP), Luciana da Cruz Brito (UFRB), Iamara da Silva Viana (PUC-RJ) e Flávio dos Santos Gomes (UFRJ). O livro foi organizado em memória dos 150 anos da Lei do Ventre Livre, completados em setembro de 2021. De acordo com a lei, à época, os filhos das escravizadas se tornariam ingênuos, ou seja, não nasceriam mais escravizados. Porém estes não estariam livres até os 21 anos, mesmo não sendo mais considerados escravizados. O que tornava o termo “liberdade” bem relativo nesse contexto, pois as crianças continuavam a passar por situações de escravidão.

A coletânea traz essa temática e uma série de reflexões sobre a maternidade, centralizada nessas mulheres pretas cujos filhos eram objetos dessa lei. O coordenador comentou como seu artigo se encaixa na temática da coletânea: “O artigo que nós publicamos sobre a Geminiana e os seus filhos, entra de uma maneira muito importante nessa coletânea, justamente porque vai discutir um pouco sobre a vivência de uma mãe dessa década de 1870, diante do desafio de tentar proteger os seus filhos, ter contato com essa maternidade, em um mundo atravessado por violência, por exclusão. O texto entra como uma peça que vai discutir um pouco a trajetória de uma mulher preta liberta, dessa que é a década em que se iniciam os movimentos resultados da Lei do Ventre Livre”.

Livro

Com o apoio do pesquisador Hugo Enio, os pesquisadores estão produzindo um novo livro, “Geminiana e seus filhos”, que, de acordo com Cardoso, se trata de um desdobramento do artigo. O livro, que tem publicação prevista para o início de 2023, é uma continuidade do estudo, que foi aprofundado e teve seu escopo de análise ampliado. “Vamos continuar tratando da trajetória da Geminiana e de sua mãe Simplícia. Falar das redes de contato que essas mulheres tinham, da relação que elas tinham com as famílias. Vamos falar um pouco sobre essa história do Maranhão do século 19, incluindo também a família da Anna Rosa Viana Ribeiro. São vários detalhes que vão trazer mais subsídios sobre esse caso, que é super importante da história do Maranhão e que merece ser estudado também sobre o ponto de vista dessa figura que é praticamente silenciada em todas as reflexões, que é a mãe, e da família do Inocêncio, as pessoas no entorno, os trabalhadores, gente que estava na rua e que viu o enterro e gerou o escândalo”, finalizou.

Por: Bruna Castro

Produção: Laís Costa

Revisão: Jáder Cavalcante

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