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ENTREVISTA

Egresso da UFMA publica livro “Direito, Linguagem e Internet: violência de gênero transfóbica e discurso de ódio no Twitter”

publicado: 11/05/2023 12h23, última modificação: 11/05/2023 20h41
Lançamento ocorrerá nesta sexta-feira, 12, às 19h, na Sala do Plenário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão
Egresso da UFMA publica livro “Direito, Linguagem e Internet: violência de gênero transfóbica e discurso de ódio no Twitter”

"A busca pela Justiça não é só uma missão que adquiri com o passar dos anos, mas é um propósito de vida", destaca o egresso do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMA (PPGDIR-UFMA), Manoel Veloso, que lançará o livro “Direito, Linguagem e Internet: violência de gênero transfóbica e discurso de ódio no Twitter”, nesta sexta-feira, 12, às 19h, na Sala do Plenário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão. A Diretoria de Comunicação da UFMA (DCom) conversou com o autor sobre o tema e a obra, que contém prefácio do assessor da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o advogado criminalista Thiago Viana (terceira foto). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ), Manoel Veloso, atualmente, é professor da graduação em Direito da UNINASSAU São Luís, da Escola Superior da Advocacia, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão, e da Escola de Governo do Maranhão (EGMA).

Jurista por formação e piauiense de nascença, ele se define como maranhense de corpo e alma e, em essência, apaixonado pela Academia, pelas Letras e pelo Direito. Ele diz ainda acreditar em um direito vivo e verdadeiramente atento ao que a sociedade é e exige, da mesma forma que acredita em uma Universidade sem muros, democrática, de qualidade e ávida por fazer ciência. "O conhecimento me move e continuará me movendo", destaca. Confira abaixo, a entrevista na íntegra:

DCom: Como e quando surgiu a ideia para o livro?

Manoel Veloso: “Direito, linguagem e internet” é fruto da minha pesquisa de mestrado. É, na verdade, a minha dissertação. A minha inquietude com o tema nasceu no Twitter! Sou “tuiteiro” desde quando a rede social nasceu e aquilo me fascinava. Como as pessoas se identificavam, como se relacionavam... fora os memes, que sempre foram incríveis. Mas havia um lado obscuro da rede que sempre me incomodou. O discurso de ódio sempre esteve presente na internet, mas, no Twitter, ele tem um “quê” diferente. Diferente porque não são apenas 140 (agora 280) caracteres numa plataforma digital, mas porque esse mesmo texto reverbera de maneira assustadora, algorítimica, acelerada e incontrolável. Em minutos, o Twitter foi capaz de organizar e propagar os movimentos da Primavera Árabe entre 2010 e 2011, mas também de divulgar as fotos íntimas vazadas da atriz Carolina Dickman em 2012. Estou falando de eventos que aconteceram mais de uma década atrás que, até hoje, reverberam em nossa sociedade. Mais recentemente, o Twitter foi palco de articulação de ataques em escolas em nosso país. Enfim, nunca esteve tão atual falar sobre discurso de ódio, e eu entendo que precisamos verdadeiramente pesquisar o tema para entendê-lo em sua essência. Precisamos superar o falso senso comum, que hoje está embebido de fake news e tantos outros ruídos que impedem o debate democrático.

Assim, vejo que o universo que é construído on-line foi o que me levou à pesquisa. A reverberação do on-line no off-line, na verdade, a transposição do virtual para o real... Ou, quem sabe, simplesmente a superação da fronteira entre os dois mundos seja o que me move. A pesquisa se debruçou sobre esses universos em choque. Mas me ative à pauta identitária, mais precisamente em relação às pessoas trans. E a escolha não foi outra senão a necessidade de inclusão dessa população no universo jurídico. São parcas – para não dizer raras – as oportunidades de debate jurídico sobre a sigla LGBT. Mais raro ainda o debate sobre as pessoas trans, que são consideradas cidadãs “de segunda ou terceira linha” para o Direito. É preciso quebrar esse silêncio em relação às demandas de cidadania e humanidade dessas pessoas. É preciso romper com a cegueira deliberada do Direito em relação a elas. É preciso transpor os muros da Universidade para esse conhecimento.

DCom: O evento de amanhã é o lançamento do livro ou apenas um evento para promover o debate sobre o tema?

Manoel Veloso: Amanhã teremos o lançamento oficial do livro. A ideia não é só divulgar a obra, mas criar um espaço de encontro entre interessadas e interessados no tema, pesquisadoras e pesquisadores, juristas. Não quero que seja apenas um momento meu de encerramento do ciclo do mestrado com a publicação da obra, mas o início de um novo. Meu objetivo é que este livro seja um “start” nesse debate, aqui no Maranhão.

DCom: Como ocorreu a construção da pesquisa?

Manoel Veloso: Metodologicamente, eu construí uma Etnografia Virtual – que, diga-se de passagem, é a primeira pesquisa jurídica a adotar esta metodologia no Maranhão. Confesso que não vi outras no Brasil, mas seria presunçoso demais afirmar que fui pioneiro nas pesquisas jurídicas do país inteiro.

Ela é uma forma de pesquisa de campo em que o objeto estudado é a internet. E a observação – que chamamos de lurking, nessa metodologia – foi feita no Twitter. Criei um perfil profissional, observei interações livres que aconteceram em respostas às publicações de canais jornalísticos que divulgavam reportagens sobre mulheres trans e cataloguei os discursos de acordo com o referencial teórico que elegi. Todo o percurso metodológico é explicado no capítulo 4 do livro, para o qual me dediquei por muito tempo para que ele se torne um verdadeiro manual de como realizar pesquisas etnográficas virtuais para estudantes e pesquisadores.

Aliás, diga-se de passagem, o marco teórico da pesquisa é a Teoria Queer, que é um campo epistemológico de questionamento da construção social do gênero e das suas implicações nas relações sociais. Então vocês vão encontrar no livro muita referência a Judith Butler e Michel Foucault. E também aos pensadores brasileiros – que são fenomenais, como Richard Miskolci, Berenice Bento e Guacira Lopes Louro. Faço uma aproximação entre a Teoria Queer e o Direito. Meu objetivo foi fazer com que a ciência jurídica, enfim, seja permeada por esse campo do conhecimento. Sem a Teoria Queer, acredito que não conseguiremos aproximar o Direito da demanda LGBTQIA+. Meu objetivo foi dar um pontapé nessa relação. Passo o capítulo 1 inteiro do livro nesse esforço de letramento em gênero para o Direito.

DCom: O tema é muito atual. Como o livro debate esse assunto? Quais os pontos principais?

Manoel Veloso: A obra é dividida em três capítulos teóricos, um metodológico e um de conclusões. Decidi dividir a obra dessa forma para poder aproximar o leitor das teorias necessárias para a compreensão da violência de gênero, da sociabilidade on-line e de como o Direito se relaciona com esses temas. Assim, faço um percurso teórico sobre gênero, fazendo todas as categorizações necessárias para compreender gênero, papéis sociais e transexualidade. A ideia é fazer com que a pauta identitária deixe de ser um “bicho de sete cabeças” e seja palatável a qualquer pessoa. Afinal, o preconceito nasce exatamente do pré-conceito. Sem conhecer o tema, não tem como sensibilizar-se e compreendê-lo. Depois, gasto algumas páginas “descortinando a sociabilidade em rede”, como diz Manuel Castells, que foi quem utilizei como marco teórico. É preciso entender como as conexões acontecem e os impactos delas na vida dos usuários on-line.

Em seguida, faço um debate sobre discurso de ódio. Nesse capítulo deito todos os meus esforços para avançarmos no debate. Não me interessa o senso comum – até porque ele não é científico. O que me interessa aqui é tentar formular categorias para iniciar o debate. Aqui, utilizo um jurista neozelandês ainda pouco conhecido no Brasil, mas que tem um texto fundamental para a compreensão dos nossos dias, que é o Jeremy Waldron e seu “The harm in the hate speech”, de 2012.

Todo esse arcabouço teórico deságua na análise do Twitter que faço nos capítulos seguintes. Faço a conexão de todo o conhecimento levantado com a abordagem metodológica que utilizo e com os discursos de ódio contra mulheres trans que se materializam no Twitter. A ideia, mais uma vez, é mostrar o que acontece, quebrar o silêncio em relação a essa violência e dar voz a essa população.

DCom: Como a legislação trabalha para evitar esse tipo de violência e discurso de ódio? Quais as propostas?

Manoel Veloso: No terceiro capítulo da obra, eu falo sobre como o direito se relaciona com o discurso de ódio. Faço algumas observações sobre cyberbullying, linchamento virtual e pornografia de revanche e o tratamento jurídico desses temas. O debate cinge sobre a dicotomia entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Há clara previsão constitucional de que somos livres em pensamento e manifestação, mas o que não esteve no debate até hoje é a necessidade de se compreender que não se trata de uma liberdade incondicionada. O limite dessa liberdade está no abuso do direito, que é o que eu tento debater ao longo do livro. E, diga-se logo, defender a liberdade de expressão perpassa garantir espaço seguro e democrático para debate. Se o que eu falo vai de encontro à segurança e à democracia, ou seja, se o que proponho com minha suposta liberdade de expressão é contra esse espaço, trata-se de discurso de ódio. E este não é acobertado pelo manto da liberdade de expressão. É isso que defendo no livro.

DCom: Quais suas pretensões para o futuro? Outros livros em mente? Como isso colabora para sua carreira?

Manoel Veloso: Como disse, proponho que o livro seja um “start” para o amplo debate que quero que aconteça aqui no Maranhão, no Brasil e no mundo todo. Só avançaremos como sociedade se enfrentarmos essas questões. Não há humanidade quando desumanizamos nossos pares com discurso de ódio, quando negamos cidadania, quando negamos seu direito de existência. Sobre o futuro, o que a vida quer de nós é coragem. E esta eu tenho para os próximos desafios. Mas adianto: já tem um segundo livro vindo aí.

DCom: Recado final para os leitores. 

Manoel Veloso: Todos nós, escritores, produzimos porque queremos ser lidos. Então é o que eu espero. Que “Direito, linguagem e internet” seja lido e reverbere. Não que seu conteúdo seja o fim, mas o começo e o meio. Um começo de debate, de interesse pelo tema. E o meio de alcance de liberdades e direitos para quem eu escrevi e quem eu me propus a defender nessas páginas.

Por: Júlio César e Aline Alencar

Produção: Alan Veras

Revisão: Jáder Cavalcante

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