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Segunda do Português: "Marchinhas"

publicado: 28/02/2022 17h30, última modificação: 28/02/2022 17h32

 

Aproveitando que hoje é segunda-feira de carnaval, vamos falar das letras de algumas marchinhas de carnaval, nas quais transgressões gramaticais vêm se eternizando. Vamos a elas:

 

1. Saca-rolha

Observe o trecho da letra de uma das mais conhecidas marchinhas de carnaval:

                As águas vão rolar,
                garrafa cheia eu não quero ver sobrar,
                eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha
.

No último verso, há a estrutura “eu passo a mão na saca-rolha”, em que encontramos duas infrações:

a) o substantivo é saca-rolhas (com “rolhas” no plural), assim como “lança-chamas”, “quebra-nozes” etc.

 

b) o gênero do substantivo “saca-rolhas” é masculino, portanto o certo seria “eu passo a mão no saca-rolhas”.

Obs.: o substantivo “saca” (saca de açúcar, saca de café etc.) pertence ao gênero feminino. Acontece que o vocábulo “saca” de “saca-rolhas” não é substantivo, e, sim, a forma verbal de “sacar”.

 

Continuando na mesma marchinha, temos o seguinte verso:

                (...) E bebo até me afogar, deixa as águas rolar.

Não precisa ser expert em português para detectar que existe uma concordância indevida, uma vez que “as águas”, sendo o sujeito de “rolar”, exige que o verbo concorde no plural, logo a construção linguística correta seria:

                (...) E bebo até me afogar, deixa as águas rolarem.

 

2. Me dá um dinheiro aí

Vejamos os versos iniciais dessa marchinha:

                Ei, você
                Me dá um dinheiro aí
                Me dá um dinheiro aí!

Aqui a infração gramatical se dá pelo fato da não observância da homogeneidade de concordância entre o sujeito e os termos ligados a ele (verbo, pronomes, etc.). Se você iniciar a frase com “você”, todos os outros elementos devem concordar com “você”. No caso da marchinha, o vocativo “você” deveria influenciar a concordância do verbo na frase seguinte. No entanto a forma verbal “dá” concorda com “tu”, não com “você”. Lembrando o imperativo afirmativo de “dar”: (dá [tu], dê [você], demos [nós], dai [vós], deem [vocês]). Portanto a letra da marchinha corretamente grafada seria:

                Ei, você
                Me dê um dinheiro aí
                Me dê um dinheiro aí!

 

3. A jardineira

Também muito conhecida, a marchinha Jardineira contém a mesma infração gramatical de “Me dá um dinheiro aí”. Observe os versos abaixo:

                Vem, jardineira! Vem, meu amor!
                Não fiques triste que este mundo é todo seu
                Tu és muito mais bonita
                Que a camélia que morreu

O autor usa a concordância com o pronome “tu” na forma verbal “não fiques”, assim como se observa no verso seguinte “Tu és muito mais bonita”. No entanto, no fim do segundo verso, em vez de continuar com a mesma concordância, usou o pronome possessivo referente a “você” (seu). Vamos corrigir o texto:

                Vem, jardineira! Vem, meu amor!
                Não fiques triste que este mundo é todo teu
                Tu és muito mais bonita
                Que a camélia que morreu

 

4. Turma do funil

Aqui a infração encontrada decorre do uso errado de “onde”. Observe os versos:

                Chegou a turma do funil
                Todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto
                Ai, ai ninguém dorme no ponto
                Nós é que bebemos e eles que ficam tontos

                Eu bebo sem compromisso
                Com meu dinheiro, ninguém tem nada com isso
                Aonde houver garrafa, aonde houver barril
                Presente está a turma do funil

Só devemos usar a forma “aonde” com verbos que deem ideia de deslocamento, como “ir”, “dirigir-se”, “viajar” etc. Como o verbo “haver” presente no verso da canção dá ideia de estaticidade, o certo é usar a forma “onde”, portanto vamos reescrever os versos fazendo a devida correção:

                Eu bebo sem compromisso
                Com meu dinheiro, ninguém tem nada com isso
                Onde houver garrafa, onde houver barril
                Presente está a turma do funil